Em 1969, Uria Simango (pai dos políticos Daviz e Simango, do MDM) era um militante agastado com o rumo que a então Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) tomava

Situação sombria no MDM

Gloomy situation in MDM

Em 1969, Uria Simango (pai dos políticos Daviz e Simango, do MDM) era um militante agastado com o rumo que a então Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) tomava. Para dar corpo a suas inquietações, Uria escreveu um relatório explosivo intitulado “Gloomy Situation in Frelimo”. O documento pintava uma situação sombria na frente, desinteligências insanas e posturas individualistas, que punham em perigo a unidade dos três movimentos que lhe deram originaram. A definição do inimigo era um debate recorrente. Simango se insurgia contra o regionalismo perverso de uns e o individualismo ganancioso de outros. Contra o sectarismo e o tribalismo também. A Frelimo não estava coesa. Era um antro de guerrilheiros dominados por figuras do Sul, que centralizavam a tomada de decisão. Seu texto causou feridas e ele foi expulso. Sua rotulagem do partido foi tida como pária.

Quase 50 anos depois da publicação dessa narrativa sobre um movimento em crise, há um paradoxo incontornável. A rotulagem feita por Uria pode ser hoje usada para descrever o actual estado do MDM, o partido fundado por seus filhos em 2009. Dirigido por Daviz, o MDM era uma proposta de plataforma democrática onde todos os moçambicanos podiam usar sua voz fora da Frelimo e da Renamo. Era uma potencial alternativa aos dois garanhões da nossa cena política.

Nove anos depois, o MDM é o partido que mais quadros expurga. Seus militantes de peso, que lhe emprestaram algum capital político, foram afastados ou obrigados a seguir caminho distinto. O mais sonante é o assassinado edil de Nampula, Mahamud Amurane, que se rebelou internamente contra o tachismo e o nepotismo. Ismael Mussa, primeiro Secretario Geral, se bateu contra a centralização excessiva nas mãos de Daviz. Foi corrido. Com ele saíu o sociólogo João Carlos Colaço. Mais recentemente desertaram o Eng. Venâncio Mondlane e o jurista António Frangoulis. Há também um vasto batalhão de militantes de base virando a cara.

A causa comum dessa onda desertora é o excessivo centralismo de Daviz Simango. De jure e de facto. Os estatutos minimizam o poder dos órgãos de decisão e promovem um modelo autoritário de liderança. E Daviz brilha nesse registo. Ele é o grande mandão. Ele é quem nomeia e demite. Amurane tentou conter uma onda regionalista e étnica, que invadira Nampula proveniente da Beira, militantes para acomodar na municipalidade do Norte. Quando Amurane levantou a voz, Daviz não gostou, tendo-se se cavado entre os dois o fosso que se seguiu. Centralismo excessivo, regionalismo perverso, individualismo ganancioso, caracterizam hoje o MDM. A mesma rotulagem de Uria sobre a Frelimo se aplica ao partido dos filhos. Daviz reproduz o roteiro que o pai criticou. E se iguala à Frelimo. Uria Simango foi expulso. Daviz está também expulsando todos os que ousam questionar seus métodos.

Há dias ele veio à STV tentar desmentir a crise. Mas ao faze-lo ele desenhou uma caricatura assombrosa do MDM. Disse que não havia problemas que os “craques” estivessem a sair, pois o núcleo fundador do MDM, os puros como ele disse, se mantinham. Esse núcleo é o clã Simango mais uma turma de militantes beirenses. Um núcleo regional. Ele confirmou que os membros que quisessem apoio do partido batiam a porta do presidente. E ele pagava ou não pagava as despesas. Uma gestão centralizada. Ele mostrou que o MDM não tem estruturas de gestão. E todos os críticos internos são párias. Uria deve estar se remexendo na tumba. Aquilo que ele criticou na Frelimo é modelo no partido dos filhos. O MDM vive momentos sombrios. A very gloomy situation!

Marcelo Mosse

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