No que se refere ao crime de Ultraje aos Símbolos Nacionais previsto no Código Penal, para que o mesmo se consuma, há necessidade que haja dolo em qualquer das suas modalidades

Caso Yolanda Boa: Jurista Elísio de Sousa esclarece tudo

ULTRAJE AOS SÍMBOLOS NACIONAIS

(O caso daquela menina)

O princípio da legalidade (tipicidade e da ilicitude) no Direito Criminal, apresenta-se como uma das ferramentas mais valiosas do cidadão contra qualquer possíveis abusos ou excessos na gestão do poder público exercido pelo próprio Estado.

Este princípio orienta que o Estado deva fixar com tamanha precisão, quais as condutas que se devem ou não, considerar ilícitas, ilegais ou criminalmente censuráveis. Para tal, a doutrina e jurisprudência desempenham um papel fundamental na busca do acesso ao âmago do legislador.

O art.º 388 CP determina que toda pessoa que publicamente e por qualquer forma ultrajas os símbolos nacionais deverá ser punido com uma pena qualquer. Para que melhor se entenda o alcance desta disposição é imperioso que se perceba o alcance da palavra ULTRAJAR.

ULTRAJAR é um acto que consiste, essencialmente na ofensa, afronta maléfica ou insulto grave à honra de outrem. No caso concreto, o sujeito passivo deverá ser o Estado, por via dos símbolos constitucionalmente aprovados (art.º 297 CRM e ss).

No que se refere ao crime de Ultraje aos Símbolos Nacionais previsto no Código Penal, para que o mesmo se consuma, há necessidade que haja dolo em qualquer das suas modalidades (intenção), atendendo ao facto do próprio Código Penal afastar a possibilidade do cometimento do mesmo crime por negligência.

Assim, para que haja dolo, é necessário que o agente do crime demostre com suficiente clareza que pretende, neste caso, Insultar gravemente o Estado moçambicano por via dos seus símbolos. Para tal, existem exemplos muito mais evidentes do cometimento deste crime, quando vemos na imprensa, pessoas queimando bandeiras, destruindo estátuas públicas, desfazendo brasões e outras formas de manifesto contra a honra do Estado.

In casu, é necessário saber exactamente se a pessoa que usa a bandeira nacional de forma pouco ortodoxa, agiu com dolo (intenção) de desonrar o Estado moçambicano.

Em Direito Penal, para que se considere uma acção dolosa (intencional) é necessário que a conexão dos elementos externos conduzam inequivocamente à conclusão da tal pessoa estar imbuída de intenção maléfica, dada a impossibilidade de se extrair directamente o pensamento do suposto agente do crime. Trata-se de um exercício que obriga ao estudo de todo circunstancialismo que caracterizou ”iter criminis” (início ao fim da execução do crime).

Para tal, mostra-se haver necessidade de conhecimento da pessoas que é imputada tal facto e seus mesteres. Significa que imperiosamente é preciso conhecer a história delitiva do agente (reincidência), profissão (saber da concepção de ilicitude de tal pessoa se adequa ao seu comportamento) e quiçá, proceder-se a um exame de sanidade mental a fim de verificar se o suposto infractor é ou não passível de censura penal (causa excludente de ilicitude).

Somente sopesando todos esses elementos é que, com razoável segurança, se pode imputar ao suspeito, o cometimento de certa infracção, ou, neste caso, o crime de Ultraje aos Símbolos Nacionais.

Assim, o simples facto de se aparecer desnudado diante de uma bandeira (símbolo nacional) não pode e deve, necessariamente implicar o cometimento de uma infracção criminal.

O facto de uma certa conduta não ser considerada legalmente criminosa , não pode implicar que a mesma seja lícita em todas vertentes da convivência social. Havendo censura, esta terá melhor enquadramento no âmbito social quiçá religioso (pecado, haraam, etc.), atendendo ao sentido de pudor dominante em cada região, mormente, na sociedade em que a visada se encontra enquadrada.

Ao tentar criminalizar-se todo e qualquer acto praticado com uma bandeira, estar-se-á a abrir um precedente bastante perigoso, que poderá atentar contra a liberdade das pessoas no sentido de criar insegurança jurídica no concernente aos actos passíveis ou não se censura penal.

Entendemos que nem o Ministério Público, nem o Ministério da Cultura e Turismo, em boa verdade, deveriam “lançar farpas” em prol de comezinhas melhor apreciáveis e enquadráveis no âmbito da MORAL do que propriamente no Direito.

Ao meu ver, num Estado de Direito Democrático, caberá ao Direito acompanhar a evolução das sociedades e não estagnar as sociedades à reboque do Direito.

À bem da justiça

Por : Jurista Elísio de Sousa

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