A ex-embaixadora de Moçambique em Angola, Helena Taipo, exonerada uma semana depois de ter regressado a Moçambique a mando do Ministro dos Negócios Estrangeiros, José Pacheco, queixa-se de uma alegada violação dos seus direitos fundamentais por parte do Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), no quadro da investigação do processo n° 94/GCCC/17-IP, em que ela é acusada de ter desviado, enquanto Ministra do Trabalho no período 2005-2014, aproximadamente 100 milhões de Mts do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS).
Na sequência do processo em causa, em que são arguidas outras quatro pessoas, Taipo foi recentemente exonerada pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, do cargo de embaixadora de Moçambique em Angola. O protesto de Helena Taipo vem expresso numa exposição, que semana finda “vazou” nas redes sociais, enviada à Directora do GCCC pelo advogado da queixosa, Henrique Macuácua. A mesma exposição foi também enviada ao PR Filipe Nyusi.
Basicamente, o advogado alega que os direitos fundamentais da sua constituinte, consagrados na Constituição da República de Moçambique (CRM), estão a ser violados. A queixa gira em torno de quatro mandados emitidos pelo Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, a 8 de Março. No primeiro mandado (n° 79/2019), o juiz de instrução criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, Délio Portugal, ordenava a apreensão do imóvel de Helena Taipo no bairro Triunfo na cidade de Maputo, num Condomínio denominado Joss Village, que aconteceu no dia 12 do mês em curso.
O segundo mandado (109/2019) ordenava que se fizesse, na mesma residência, uma busca e apreensão de joias não quantificadas. No terceiro mandado (110/2019), igualmente visando a residência da Helena Taipo no bairro Triunfo, o Tribunal Judicial da cidade de Maputo pretendia que fosse apreendido dinheiro. O quarto e último mandado (115/2019) destinava-se a busca e apreensão de equipamento informático (computadores, tablets, telefones e flashs) e outro material que lá fosse encontrado na residência da arguida e em lugares onde ela desenvolvia sua actividade laboral e empresarial.
Contra a não retroactividade da Lei
Conforme refere Henrique Macuácua na queixa enviada à Directora do GCCC, a primeira violação deste órgão foi o de emitir uma nota, em Junho do ano passado, na qual dizia haver “fortes indícios” de Helena Taipo ter cometido “o crime de corrupção passiva, abuso de cargo ou função, peculato e participação económica em negócio”, sem contudo indicar em que lei se baseava. A resposta do GCCC a esta inquietação foi dada em Outubro. Nela fazia-se referência aos artigos 18 da Lei nº9/87, de 19 de Fevereiro e 507 do Código Penal.
Henrique Macuácua alerta, no entanto, que “o Código Penal aprovado pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886, ora revogado através da Lei nº 35/2014 de 31 de Dezembro, tem apenas 486 artigos. Logo, o aludido Código Penal, à semelhança do art. 507, deverá ser entendido inequivocamente como o Código Penal aprovado pela Lei nº 35/2014 de 31 de Dezembro”.
Acrescenta o advogado de defesa que na fundamentação do ‘Mandado de Busca e Apreensão nº 110/2019’ infere-se que decorre da aplicação dos artigos 37, 38 e 40, da Lei nº 14/2013, de 12 de Agosto (/Lei de Branqueamento de Capitais), pelo que “há lugar para afirmar que estão a ser violados os direitos fundamentais da exponente”, com base no número 1, do artigo 56 da “Lei-mãe”.
De acordo com Macuácua, o número 1 do artigo 56 da CRM defende que “os direitos e liberdades individuais são directamente aplicáveis, vinculam as entidades públicas e privadas, são garantidos pelo Estado e devem ser exercidos no quadro da Constituição e das leis”.
Lê-se na exposição dirigida à Directora do GCCC por Henrique Macuácua, o Código Penal com mais de 500 artigos é o Código Penal aprovado pela Lei nº 35/2014 de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 01 de Julho de 2015, 180 dias depois da sua aprovação (31 de Dezembro de 2014). Por isso, na opinião de Macuácua, os factos de que Helena Taipo é acusada não se aplicam a esta situação, por terem sido praticados em 2014. Ou seja, a GCCC está a violar o princípio da não retroactividade da Lei, diz a defesa de Taipo.
Helena Taipo é acusada de ter recebido durante o último ano do seu mandato no cargo de Ministra do Trabalho, como agradecimento pela assinatura de contratos de investimentos em imobiliária e prestação de serviços entre aquela instituição e diversas empresas, cerca de 100 milhões de Meticais, alegadamente desviados do INSS. Mas Henrique Macuácua defende que o procedimento do GCCC constitui uma violação à CRM, que no seu artigo 60 estabelece que a Lei penal não deve ser aplicada retroactivamente, a menos que beneficie o arguido.
Defesa fala de “crime impossível”
A defesa advoga que Helena Taipo cometeu um “crime impossível”, alegadamente porque, para se verificar a prática de qualquer delito, seria necessário, primeiro, que se anulasse o artigo 228 da CRM, que estabelece o princípio da fiscalização prévia da execução orçamental das entidades do Estado, mormente levado a cabo pelo Tribunal Administrativo, onde o Ministério Público tem um assento. Por outro lado, também era preciso anular o artigo 17 da Lei 7/91 de 23 de Janeiro (Lei dos Partidos Políticos), que versa sobre o financiamento dos partidos políticos, bem como criminalizar os actos comportamentais da arguida, fora daquela base.
Ainda na óptica da defesa, Taipo apenas homologou, como Ministra, projectos aprovados pelo Conselho de Administração do INSS, tendo em conta que os mesmos estavam em conformidade com a política de investimentos da instituição, aprovada pelo Governo, para além de terem cabimento orçamental. Ademais, os referidos projectos tiveram fiscalização prévia do Tribunal Administrativo, que lhes conferiu o “visto”. E recorda que o próprio Ministério Público está representado naquele Tribunal.
Dois dias antes de ser exonerada do cargo de embaixadora de Moçambique em Angola, Helena Taipo endereçou uma carta ao Presidente da República, na qual pedia que este fizesse “o que no melhor da vossa sabedoria se requer para o funcionamento correcto dos órgãos de Administração da Justiça no processo nº 94/GCCC/17-IP, de modo a que não se ponha em causa o Estado de Direito Democrático, conforme está a ocorrer no curso do processo”.
(Abílio Maolela – Carta)