Na noite de sábado, quando o empresário Rogério Manuel submeteu seu plano de voo ao “Despacho de Pilotos” do Aeroporto de Mavalane, solicitando autorização para voar de regresso para o Bilene

Para quem foi a misteriosa chamada de Rogério Manuel?

Na noite de sábado, quando o empresário Rogério Manuel submeteu seu plano de voo ao “Despacho de Pilotos” do Aeroporto de Mavalane, solicitando autorização para voar de regresso para o Bilene, o técnico de serviço franziu o sobrolho e terá rejeitado que ele fizesse aquela que seria uma viagem fatal, apurou “Carta” de fontes reputadas. O técnico do aeroporto estava simplesmente a cumprir as normas: Rogério Manuel não estava habilitado a pilotar de noite. Nem sua aeronave, um helicóptero R44-Robinson, vinha equipada com instrumentos de navegação apropriados para voos nocturno. Era um pequeno monomotor, de 3 lugares, com autonomia de 3 horas e uma velocidade de cruzeiro de 200 km/hora, geralmente interditado para viagens noturnas, salvo em raras excepções de transporte postal.

O técnico de serviço naquele dia tinha tomado uma decisão correcta, de acordo com um especialista em aviação, mas “Carta” sabe que o empresário insistiu que tinha de fazer aquela viagem. E pegou no telefone, tendo feito uma chamada. Do outro lado da linha veio uma autorização, e ele seguiu voo. Mas a autorização era ilegal. A direcção do Aeroporto de Malavane devia simplesmente tê-lo impedido de voar. Mas quem autorizou? A troco de quê?  Depois de muita insistência, “Carta” conseguiu obter ontem um depoimento do PCA das Aeroportos de Moçambique (ADM), Emmanuel Chaves, sobre o assunto: “O porta-voz sobre este acidente é o Comandante João Abreu, do IACM (Instituto de Aviação Civil de Moçambique)”, disse ele. “Por se tratar de matéria regulada pelas autoridades nacionais e internacionais, caberá a esta entidade prestar declarações sobre as matérias do acidente”, acrescentou.

Mas quem autorizou que Rogério Manuel levantasse voo? O facto de ele ter levantado voo na base de uma autorização ilegal não seria motivo suficiente para o PCA dos Aeroportos se demitir, dado que desse voo resultou uma morte (independentemente da alegada imprudência do piloto)?, perguntamos a Chaves. Ele respondeu, por escrito, nos seguintes termos: ”Quanto à possibilidade de o PCA da ADM se demitir, se as investigações demonstrarem a necessidade da sua demissão, assim irá acontecer. O PCA não foi consultado para a autorização da saída e nem participou do processo da autorização de saída deste voo”. Insistimos com Chaves: há indicações de que, diversas vezes, o empresário Rogério Manuel fez voos nocturnos no seu monomotor R44-Robinson, que não lhe permitia isso. Quem lhe dava essa autorização e por que é que quando ele poisou na vinda do Bilene não lhe foi cassada a licença, dado que também se tratava de um voo nocturno? Chaves não quis expandir na conversa: “Reitero que não foi o PCA que foi consultado para a autorização da saída. Se não me confia é porque não me conhece”.

A investigação do acidente já foi iniciada pelo IACM. Uma das questões centrais deverá incidir sobre o papel das autoridades aeroportuárias nesse voo particular, para se identificar quem efectivamente deu autorizou. “Carta” sabe que já está a circular uma narrativa tendente a atirar culpas exclusivas pelo acidente ao piloto, nomeadamente devido a uma alegada negligência. Uma das peças usadas para dar corpo a essa narrativa é um print out de um check list sobre o estado da aeronave em determinado momento onde se pode ler: insuficiência de combustíveis. Ou seja, o acidente tinha sido causado porque o piloto não controlara o nível de combustível. Essa narrativa serviria para desresponsabilizar terceiras partes, incluindo as componentes fabricante e seguros.

Mas uma fonte do IACC disse ontem à “Carta” que a alegação da insuficiência de combustíveis era forçada, não verdadeira. Ou seja, o print out que circula nas redes sociais é falso. Mas a quem interessa essa falsidade? Ainda não sabemos. Um especialista local em aviação sugeriu que a investigação devia ser “o mais independente possível”, de modo a se apurar também o grau de responsabilidade de terceiras partes perante o comportamento do piloto, não apenas na véspera deste voo fatal, mas desde que ele obteve seu “brevet” para voar um pequeno monomotor de 3 lugares.

Relatos colhidos indicam que Rogério Manuel voava de noite sempre que lhe apetecesse e perante uma alegada complacência tanto do IACM como da ADM. Ontem, quando lhe sugerimos isso, repisando que ninguém tinha a coragem de impedir a conduta irregular do piloto, o Comandante João Abreu ripostou: “Gostaria de solicitar a tua (da “Carta”) colaboração em nos fornecer as provas materiais que factualizam os pontos arrolados. Dada a gravidade dos mesmos, poderão constituir matéria da Comissão de Inquérito nomeada para a investigação do acidente. Caso tenhas ou haja testemunhas, agradeço que estas se disponibilizem à Comissão junto do IACM”.  Abreu deu-nos a atender que, apesar de serem vários os testemunhos públicos das viagens nocturnas de Rogério Manuel no monomotor, ele tinha um cadastro limpo: ”O que é referido não consta no processo do piloto”.

A pergunta central mantém-se: para quem foi a misteriosa chamada através da qual Rogério Manuel recebeu autorização de saída num voo que lhe levaria à morte?

(Marcelo Mosse / Carta)

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