Começaram a chegar em Moçambique em busca de refúgio depois do genocídio registado entre 07 de abril e 15 de julho de 1994, fugindo do horror de uma guerra civil causada pelas diferenças étnicas entre os tútsis, tuás e dos hútus. Na altura Moçambique era liderado por Joaquim Alberto Chissano, um dos negociadores de paz mais destacado no continente africano e pelo mundo, com prémios de reconhecido mérito por seu papel na pacificação dos povos.
Em busca de protecção e do “esquecimento” dos horrores vividos nas datas acima mencionadas, vários cidadãos ruandeses vieram à Moçambique, uma terra que se recuperava das mazelas da guerra civil de durou 16 anos. Na ocasião, o grupo de ruandeses viu o País como um local apropriado para recomeçar suas vidas, e foi assim. Joaquim Chissano saiu do poder e entrou Armando Emílio Guebuza, o Homem que segundo apuramos, por várias vezes, a liderança de Paul Kagame tentou solicitar cooperação entre os dois países, mas nunca deu abertura até à sua saída do poder em janeiro de 2015.
Com a ascensão ao poder de Filipe Jacinto Nyusi a 15 de janeiro de 2015, a vida dos cidadãos ruandeses refugiados em Moçambique ganhou outro âmbito, com a intensificação de assassinatos, sequestros e torturas dos membros da Comunidade Ruandesa no País, estranhamente os assassinos nunca foram encontrados, ou seja, sempre que realizam uma operação desaparecem sem deixar rastos.
A situação de assassinatos desestabilizou a vida dos ruandeses refugiados em Moçambique que fugiam do regime de Paul Kagame. O ápice do problema foi quando em julho de 2021, mais de 2 mil homens pertencentes as Forças de Defesa e Segurança (FDS) do Ruanda aterrizaram em Moçambique, concretamente em Cabo Delgado, na altura as “porcas da mente” dos mais de três mil refugiados ruandeses e alguns críticos de Kagame ficaram suspensas e o pânico e medo instalou-se no seio do grupo. Dois meses depois, Revocant Karemangingo, que em vida era vice-presidente da Associação dos Refugiados Ruandeses em Moçambique (ARRM) foi baleado à queima-roupa, na Cidade da Matola, província de Maputo, até hoje os assassinos não foram achados e nem tidos.
O assassinato de Revocant aumentava a lista dos cidadãos ruandeses assassinados em Moçambique durante o mandato do Presidente Filipe Nyusi, sendo que em maio de 2021 se registou o desaparecimento do Jornalista e Youtuber critico de Paul Kagame, o cidadão ruandês Ntamuhanga Cassien.
Estas acções conforme apuramos dos poucos membros corajosos da Associação que ainda permaneciam em Moçambique faziam parte de uma “cirúrgica lista” do regime de Kigali em conluio com a actual liderança do País. Entretanto, quando em 2022, o Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos (MJACR) e ruandês sentaram e acordaram que deveriam avançar com um tratado de extradição que beneficia as duas partes, os alarmes soaram na Comunidade Ruandesa, levando alguns cidadãos que já tinham suas condições de vida organizadas em Moçambique à saírem, outros que eram constantemente ameaçados, dirigiram-se à Embaixada e negociaram seu recurso ao País.
O acordo de extradição que até ao momento não tem nenhuma relevância exacta para Moçambique, levou a que vários ruandeses procurassem outros locais para continuarem com suas vidas e das suas famílias. Cidadãos que se dedicavam ao comércio, agricultura, saúde e educação, ajudando no crescimento económico e social do País, deixaram tudo, inclusive filhos nascidos em Moçambique com cidadãs locais e saíram, por medo de serem “injustamente extraditados” para o Ruanda, onde independentemente das campanhas globais sobre o valor dos direitos do homem, dificilmente escaparão de serem condenados por crimes como terrorismo e desvalorização do genocídio.
Em certos fóruns políticos entende-se que este tratado poderá ser cruel para parte dos dirigentes moçambicanos corruptos e envolvidos com negócios sujos como protecção e recepção de somas do submundo do narcotráfico assim que saírem do poder e serem formalmente acusados pelo próximo governo ou mesmo Países como Estados Unidos da América (EUA) ou um outro Estado, e pretendam escolher Ruanda para o seu refúgio – o tiro poderá sair pela culatra.
Hoje são vários empreendimentos de ruandeses que se encontram fechados e milhares de moçambicanos que passaram para o mundo do desemprego. Aliás, há dias, a Presidente da Autoridade Tributária, Amélia Muendane revelou que mais de três mil empresas fecharam nos últimos anos. Estes dados são preocupantes para um País como Moçambique, em que o sistema tributário e financeiro precisa imensamente de divisas. Entretanto, com acordos como esse com o Ruanda, em que não se verifica nenhuma vantagem imediata para o País, mas sim para Kigali, Moçambique poderá ter legalizado ilegalidades de um Estado no seu território.
Não se entende como Moçambique foi assinar um tratado com um País, onde a comunidade moçambicana lá não ultrapassa 100 pessoas, e em contrapartida, fica anos e anos a gastar dinheiro do povo tentando extraditar criminosos de elevados valores com um Estado como a África do Sul, na qual não temos nenhum Acordo de Extradição, mesmo sendo vizinhos e com laços históricos milenares, que o diga, a família de Ismael Nangy, o cidadão moçambicano acusado de ser um dos mandantes dos raptos no território nacional. Que o diga Manuel Chang que por quatro anos, mofou na cadeia e gastou milhões e milhões de dólares, mas no final acabou seguindo para Nova Iorque onde aguarda por julgamento.
Existem países que o nosso sector da Justiça deveria sim intensificar a busca por um tratado de extradição como África do Sul, eSwatini, Malawi, Tanzânia, Quénia, Índia, Tailândia, Portugal, Alemanha e EUA, onde existem comunidades moçambicanas amplas e inclusive moçambicanos que estão a cumprir penas nestes locais. Apesar de Moçambique já ter Acordos de extradição com países como Ilhas Maurícias (2020), Vietname (2020), Zimbabwe (2016) e Brasil (2009).
Engraçada e gravemente a Ministra da Justiça, Helena Kida reconheceu na quarta-feira (20.01) que alguns cidadãos ruandeses foram executados em Moçambique, o que segundo analistas deveria ser um elemento fulcral para que tal tratado de extradição não fosse aceite, mas como bem disseram os deputados da RENAMO e do Movimento Democrático de Moçambique (MDM),“o acordo de extradição entre Moçambique e Ruanda, visa exclusivamente agradar o regime de Paul Kagame que assume ‘a bandeira dos grandes aliados na luta contra o terrorismo em Cabo Delgado, mas simultaneamente é acusado pelo RDCongo de estar a financiar e treinar o M23, um grupo terrorista com ligações ao grupo terrorista que ataca Moçambique desde 2017’. Este facto deveria pesar para que o Acordo não avançasse na medida em que o mesmo não traz quaisquer benefícios para o nosso país.”
Conforme disse o Deputado Alberto Ferreira, da Bancada Parlamentar da RENAMO, “um País sério não pode ratificar um acordo com a finalidade de agradar os amigos. Moçambique não pode ser um Estado vassalo do Ruanda, colocando os cidadãos ruandeses refugiados no País a viverem num estado hostil e inseguro, onde os inimigos de ontem do regime ditatorial poderão ser perseguidos, detidos e extraditados.”
Na ocasião, o Deputado do MDM, Silvério Ronguane questionou à Ministra da Justiça, Helena Kida, “quantos moçambicanos julgados, presos e/ou condenados no Ruanda que levam o Governo a ter interesse nesta matéria, na medida em que um acordo deve servir às partes signatárias. A Ministra da Justiça pode explicar à bancada do MDM, qual é o histórico de criminosos entre estes dois países que justificam e fundamentam este acordo? Havendo histórico de prisões, julgamentos e condenações entre Moçambique com países como Brasil, Índia e Tailândia, como é possível ignorá-los e colocar a frente um País sem nenhum histórico conhecido.”
No entanto, para o Deputado e especialista em relações internacionais, Muhammad Yassine, o Acordo de Extradição com o Ruanda não fazia nenhum sentido, tomando em conta, que existem outros pedidos como o da Turquia, mas por razões “estranhas” o mesmo não foi aceite. Para Yassine este Acordo é uma carta sem validade, uma vez que visa exclusivamente agradar à Kagame.
Reagindo, Helena Kida afirmou que o Acordo tem balizas, uma vez que não se extradita à toa e que estava tranquila e sossegada porque não assinou o Acordo para permitir que haja ajuste de contas políticas no território nacional. Entretanto, para a Frelimo, através do seu Chefe da Bancada, Sérgio Pantie, o Acordo de Extradição com o Ruanda é uma forma de agradecimento e gratidão pelo seu apoio no combate ao terrorismo em Cabo Delgado.
Outrossim, um analista que pediu anonimato disse que as afirmações do Chefe da Bancada da Frelimo e da Ministra da Justiça são graves, na medida em que nos próximos tempos já não estarão nas posições em que estarão e que Kagame renovará o mandato e fará o uso e pressão para que os resultados do Acordo sejam imediatamente implementados com alegações que devido ao nosso défice investigativo não teremos como contrapor e serão entregues cidadãos inocentes que simplesmente não concordam com o andamento das coisas no seu País.
Em jeito de recomendação, o analista disse era importante que alguém oferecesse algumas cópias dos seguintes livros para o Governo de Filipe Nyusi: [“Gostaríamos de informá-los de que amanhã seremos mortos com nossas famílias”, da autoria de Philip Gourevich”; “Uma temporada de facões: Relatos do genocídio em Ruanda”, de Jean Hatzfeld e “Sobrevivi para contar: O poder da fé me salvou de um massacre”, de Immaculée Ilibagiza, lançado em 2008].
No entanto, o Partido RENAMO vai recorrer ao Conselho Constitucional para a revogação da lei que rubrica o acordo de extradição entre Moçambique e Ruanda, ratificado na quarta-feira (20.03) pela bancada da Frelimo. Segundo a RENAMO, a referida lei viola grosseiramente a Constituição da República de Moçambique e os demais instrumentos normativos de defesa dos direitos do homem e dos povos na qual o País é signatário ao nível internacional. (Omardine Omar)