A Polícia disse que tinha aberto um auto para proceder à averiguação dos factos e remeter o processo para as instituições de justiça para que se sigam os termos subsequentes. Entretanto, diversos elementos que devem acompanhar o auto foram ignorados; por exemplo, em condições normais, a Polícia devia ter encetado diligências para a detenção do cidadão pelo sinistro e abandono do sinistrado, nos termos do artigo 154 do Código de Estrada.
Cerca de dois meses depois do aparatoso acidente de viação envolvendo Florindo Nyusi, o filho do Presidente da República (PR), Filipe Nyusi, ainda não há justiça. A Polícia e a Justiça estão caladas. Neste momento a pergunta que não quer calar é: será o filho do PR imune às leis, tendo em conta que não é a primeira vez que se envolve em acidentes e abandona as vítimas? O acidente em causa teve lugar no dia 12 de Julho, na Avenida Julius Nyerere, pouco depois da esquina que dá acesso à Escola Portuguesa, na Cidade de Maputo.
Conduzindo em alta velocidade, Florindo causou um acidente que resultou em ferimentos graves contra dois menores que se faziam à via e causou danos avultados em dois veículos, incluindo o que conduzia. De acordo com testemunhas, após o acidente, um grande contingente de homens armados, sem qualquer tipo de identificação, chegou ao local e retirou Florindo Nyusi, transportando-o em outro veículo, deixando para trás dois menores feridos e um Toyota Fortuner destruído.
A acção viola directamente o artigo 154 do Decreto-Lei n.º 1/2011, de 23 de Março, que aprova o Código de Estrada de Moçambique e prevê a obrigação de prestar socorro às vítimas de acidentes.
Horas depois do acidente, a Polícia da República de Moçambique (PRM) anunciou ter aberto um auto para proceder à averiguação dos factos e remeter o processo para as instituições da Justiça para que se sigam os termos subsequentes. Entretanto, diversos elementos que devem acompanhar o auto foram ignorados. É que, tratando-se de um acidente em que o causador se colocou em fuga, está evidente que houve também cometimento de um crime nos termos do artigo 154 do Código de Estrada.
Nestes termos, a Polícia deveria ter encetado diligências necessárias para a detenção do infractor, pois está em causa um facto cometido em flagrante delito. Outrossim, deveria a Polícia submeter o infractor ao exame de alcoolémia para aferir o estado em que o filho do Presidente se encontrava aquando do acidente. Era imperioso também que a Polícia juntasse aos autos os documentos do veículo, bem como exigisse a apresentação de seguro automóvel e inspecção do veículo, incluindo a carta de condução do infractor.
Entretanto, para o arrepio das normas legais, nenhum destes actos foi praticado, deixando-se Florindo Nyusi em liberdade e absolutamente numa clara indicação de que pelo facto deste ser filho do Presidente da República se encontra privilegiado por imunidade às leis que regem o Estado moçambicano, tendo em conta que não é a primeira vez que se envolve em acidentes e abandona as vítimas. Em 2022, Florindo Nyusi embateu a viatura de Miguel Bila, um colaborador do Jornal Savana, e fugiu. Isto é o que se sabe. Florindo Nyusi circula sempre em alta velocidade e transforma as estradas de Maputo em pistas de Fórmula 1.
O criminoso acidente vem colocar em causa a actuação das autoridades policiais e da Justiça moçambicanas face à aplicação da lei de forma igual para todos. Na altura, a Ordem dos Advogados de Moçambique disse que o caso seria um teste à seriedade da Justiça.
“Mantemos total confiança no direito e nas instituições de administração da justiça, todavia entendemos ser, de facto, um caso que testará a seriedade e isonomia do nosso sistema da administração da justiça”, disse, na altura, em comunicado de imprensa, a Ordem dos Advogados. Quarenta e cinco dias depois, o destacado acidente mostra que, definitivamente, a Justiça moçambicana não é séria; que a ideia de que somos todos iguais perante a lei é uma miragem. Outrossim, o caso consolida a supremacia do executivo sobre o legislativo e o judiciário, subvertendo o sacrossanto princípio Constitucional da separação de poderes.
O caso mostra que o PR, enquanto chefe do executivo exerce uma influência cada vez maior sobre os outros poderes do Estado. Esse facto foi determinante para a Justiça, principalmente o Ministério Público, enquanto defensor da legalidade e único ente público como poderes para dar impulso processual, abraçar o silêncio sobre o assunto. (TEXTO: CDD)