O Presidente da República (PR), Filipe Nyusi, determinou, em Despachos separados datados de 3 de abril, a passagem à reserva de Oficiais-Generais da Polícia da República de Moçambique (PRM). Trata-se do Comissário da Polícia, Timóteo Bernardo, e dos Primeiros Adjuntos do Comissário da Polícia, nomeadamente Alfredo Mussa e Paulo Chachine.
Filipe Nyusi promoveu também a passagem à reserva dos Adjuntos do Comissário da Polícia, Abel Nuro, Arsénia Felicidade Félix Massingue, Joaquim Avasamaia Nido Likwaha, Raúl Ossufo Omar e Sérgio Faustino Mamure Age.
Destes, destaque vai para Sérgio Faustino Mamure Age, sobrinho do antigo Comandante-Geral da Polícia, Jorge Khalau, que vai à reserva com apenas 40 anos de idade e menos de 15 anos de serviço efectivo na Polícia.
A nomeação de Sérgio Faustino Mamure Age reforça o nepotismo na PRM, depois de muito recentemente o PR ter promovido a sua sobrinha Cesta Gastão Nhussi à patente de Primeiro Adjunto do Comissário da Migração, no escalão de Oficiais Comissários; e o actual Comandante-Geral da PRM, Bernardino Rafael, ter promovido o seu filho Fernando Bernardino Rafael à patente de Sub-inspector da Polícia, um posto correspondente à classe dos oficiais subalternos.
O nepotismo está a ser um dos factores que desmotivam os polícias que, vendo o fenómeno a florescer e lhes diminuindo as chances de crescimento honesto na carreira, são tentados a entrar para o mundo do crime, abrindo espaço para a criação de sindicatos do crime organizado na Polícia, o que dificulta o combate às várias manifestações criminais que assolam a sociedade.
A ascensão meteórica de Sérgio Faustino Mamure Age até à reserva
Através do Despacho Presidencial n.º 31/2017, Filipe Nyusi promoveu à patente de Adjunto do Comissário da Polícia, no escalão de Oficiais Generais, Cornélio Alberto Manguku e Sérgio Faustino Mamure Age. Nessa altura, segundo as nossas contas, Sérgio Age tinha apenas 33 anos de idade e seis anos de serviço na Polícia. Tornava-se, assim, o mais novo general da Polícia. Em apenas seis anos, Age tinha ascendido a uma posição que um agente da Polícia normal levaria 20 a 30 anos para atingir, sendo que a maioria dos agentes não chega a tão importante posição.
Durante o seu percurso até ser colocado na reserva por Filipe Nyusi, nos termos do artigo 47 da Lei da PRM, aprovada pela Lei n.° 16/2013, de 12 de agosto, Age foi Director da Ordem em Cabo Delgado, Comandante da Polícia em Manica, Tete e Zambézia. Tudo isto foi conseguido num espaço de menos de 15 anos, se considerarmos que em 2017, Age tinha apenas seis anos de serviço.
O que diz a lei
A Lei da PRM (Lei n.º 16/2013, de 12 de agosto) não é clara em relação aos requisitos sobre a ida à reserva dos quadros da Polícia. Por exemplo, o artigo 47 da Lei em alusão diz apenas que as atribuições de patentes, bem como a promoção, despromoção, demissão, expulsão e passagem à reserva de oficiais Comissários da Polícia são da competência do Presidente da República de Moçambique, na sua qualidade de Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança, sob proposta do Ministro que superintende a área de ordem e segurança públicas. Esta matéria vem regulada no Estatuto do Polícia, aprovado pelo Decreto 28/99, de 24 de maio. Nos termos do artigo 110 do Estatuto do Polícia, são condições para a reserva: o limite de idade estabelecido para a respectiva patente ou posto; vinte anos ou mais de tempo de serviço efectivo; requerimento deferido e manifestação, por escrito, de desejo de passar à reserva depois de completar 30 anos de tempo de serviço.
No que tange ao limite de idade estabelecido para cada patente, a alínea a) do artigo 111 diz que o tempo limite para o Adjunto do Comissário são 54 anos. Ora, um jovem Adjunto Comissário não preenche nenhum dos requisitos exigidos pelo Estatuto. Mas o problema de Age não é só com a sua ida à reserva. Antes de ser promovido a general por Nyusi, Age era Adjunto do Superintendente. Mas, misteriosamente, em pouco tempo passou a superintende, na altura Director da Ordem em Cabo Delgado, e daí para General.
Se olharmos para o Estatuto do Polícia, aprovado pelo decreto 28/99, de 24 de maio, nos artigos 52, 53 e 54, Age devia no mínimo ter um percurso de 12 anos para chegar a Adjunto do Comissário. Mas na altura só tinha seis anos de serviço na Polícia.
Nepotismo e o exemplo de Filipe Nyusi e Bernardino Rafael
O nepotismo é uma prática enraizada no Estado e a Polícia não é excepção. Em 19 de Agosto de 2023, Bernardino Rafael promoveu o seu filho, Fernando Bernardino Rafael, à patente de Subinspector da Polícia, um posto correspondente à classe dos oficiais subalternos. O filho de Bernardino Rafael, que faz parte Ramo da Polícia Costeira, Lacustre e Fluvial, integra uma lista de 624 membros da PRM promovidos àquela patente no passado dia 19 de Agosto, através do Despacho nº 6163/023.42/GCG/2022.
Segundo a “Carta de Moçambique”, o filho do Comandante-Geral da PRM, com o NIP 19840900 (Número de Identificação Policial), atinge aquela patente de oficiais subalternos três anos depois de ter integrado as fileiras da corporação. Ainda segundo a “Carta de Moçambique”, Fernando Bernardino Rafael ingressou na Polícia em 2019 e, pelos critérios fixados, este não devia ostentar aquela patente em três anos. Aquela publicação diz que de 2019 até 2022, Fernando Bernardino Rafael “saltou” cinco escalões estabelecidos na PRM.
Através do Despacho Presidencial de 30 de outubro de 2023, Filipe Nyusi promoveu à patente de Primeiro Adjunto do Comissário da Migração, no escalão de Oficiais Comissários, a Superintendente-Chefe da Migração, Cesta Gastão Nhussi. Acredita-se que Cesta Nhussi seja sobrinha do Presidente da República. Pelo exposto, resulta claro que a promoção de Sérgio Age não é uma prática isolada na Polícia. A nomeação vem reforçar o nepotismo na corporação, que se apresenta como prática enraizada na gestão da PRM.
Os chefes colocam os seus familiares e pessoas próximas em posições hierárquicas sem idade, sem experiência e sem disciplina. Tendo em conta que com 40 anos vai à reserva, onde vai receber dinheiro do Estado sem estar a fazer nada, aliado ao facto de que o Estado se retira de si próprio os meios necessários para os mais jovens e os canaliza para pagar salários a uma pessoa que está em casa, o Centro para Democracia e Direitos Humanos defende a despromoção de AGE para se conformar com o Estatuto do Polícia.
O nepotismo está a ser um dos factores que desmotivam os polícias que, vendo o fenómeno a florescer e lhes diminuindo as chances de crescimento honesto na carreira, são tentados a entrar para o mundo do crime, abrindo espaço para a criação de sindicatos do crime organizado na Polícia, o que dificulta o combate às várias manifestações criminais que assolam a sociedade. (INTEGRITY)