Por: Marcelo Mosse
“No julgamento, o Governo americano mostrará que Jean Boustani e seus co-conspiradores sabiam que Moçambique não divulgara para o Fundo Monetário Internacional (FMI) a dívida soberana da Proindicus e da MAM no valor de mais de 1.2 bilhões de USD. Depois que o co-arguido Manuel Chang, o Ministro das Finanças moçambicano que assinou as garantias soberanas, deixou o cargo, os conspiradores alertaram ao novo Ministro da Economia e Finanças (Adriano Maleiane) que o crédito da Proindicus e da MAM e suas garantias não tinham sido comunicadas ao FMI. O novo ministro (Maleiane) concordou em continuar a não divulgar os detalhes sobre a MAM e a Proindicus ao FMI”.
Eis uma transcrição relevante do mais recente “affidavit” submetido pelo Departamento de Justiça americano (DoJ) junto United States District Court (Eastern District of New York) no caso que opõe o Governo americano contra o franco-libanês Jean Boustani, super-oficial de vendas da Privinvest, detido desde Janeiro em Brooklyn no quadro do calote das “dívidas ocultas”.
O documento, assinado pelo procurador Richard P. Donoghue, do Eastern District of New York, Brooklyn, foi remetido no passado dia 22 de Julho para rebater as alegações de Jean Boustani, submetidas nas semanas anteriores e nas quais ele dizia que nunca vendeu “gato por lebre” aos investidores americanos aquando da troca dos títulos de dívida da EMATUM por Eurobonds.
Para além de “desmontar” as alegações de Boustani, o documento atinge a reputação do actual Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, acusando-o de sonegação de informação essencial ao FMI. E promete apresentar provas de como tudo se passou. O julgamento do caso nos EUA deverá iniciar no próximo dia 9 de Outubro. A menção ao papel de Adriano Maleiane, em alegaçoes contra a defesa de Jean Boustani, indica que muita informação ainda vai rolar sobre identidades e papéis de figuras relevantes do Governo moçambicano no caso do endividamento oculto.
Quem tem memória fresca, vai recordar-se que, depois da descoberta do empréstimo da Ematum, o novo governo de Filipe Nyusi, em 2015, já com Maleiane na batuta da Economia e Finanças, ainda tentou esconder o sol com a peneira, e a informação sobre a dimensão real do buraco (nomeadamente a revelação complementar dos ruinosos negócios da MAM e Proindicus) veio a conta-gotas, e sempre através de fontes externas.
As novas alegações do Departamento de Justiça americano são um conjunto de evidências que mostram que, tanto Jean Boustani como o co-réu António Carlos do Rosário, deslocaram-se a Nova Iorque e conseguiram “ludibriar” investidores americanos, fornecendo-lhes informação parcial sobre o contexto à volta da EMATUM.
O documento recupera evidências constantes da acusação americana, nomeadamente a de que, para convencerem os investidores a trocarem seus títulos de dívida da Ematum por Eurobonds, Jean Boustani, António Carlos Rosário e companhia não divulgaram adequadamente a existência dos empréstimos para a Proindicus e MAM ou as datas da sua maturidade e deram informações falsas e enganosas sobre as Eurobonds e sua credibilidade.
Sobre as reuniões de Nova York, a acusação americana, recorda o documento, alega que o réu António do Rosário e outros co-conspiradores viajaram para o Aeroporto Internacional JFK, em Queens, Nova York, em data específica, para se encontrar com investidores americanos no contexto da troca dos títulos para Eurobonds, fornecendo informações falsas e enganosas aos investidores para induzi-los na troca.
Agora, com esta menção sobre o papel de Maleiane, tudo indica que, mesmo que Manuel Chang não seja extraditado para os EUA, o julgamento do caso vai trazer à tona muita informação que ajudará na compreensão de quem foram os verdadeiros responsáveis morais e beneficiários do calote e de todo o teatro que se lhe seguiu, incluindo a sonegação de informação relevante aquando da auditoria da Kroll.(Marcelo Mosse)
Carta de Moçambique