O juiz da secção de instrução criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM), Délio Miguel Pereira Portugal, que instruiu o processo nº 1/PGR/2015, relativo às “dívidas ocultas”, foi transferido para a 3ª secção laboral do Tribunal Judicial da Província de Maputo, onde desempenhará as funções de presidente do Tribunal de Trabalho daquela província.
A transferência de Délio Portugal para a secção laboral da província de Maputo é vista como uma “despromoção” nos meandros judiciais, uma vez que a “instrução criminal” é considerada como o topo da carreira para qualquer juiz de instrução de nível provincial.
A “descida” de categoria daquele magistrado judicial foi comunicada semana finda pelo Conselho Superior de Magistratura Judicial (CSMJ), o órgão de disciplina dos juízes, numa lista onde constavam os nomes, por exemplo, de Luís Malauene, Juiz Desembargador da 1ª secção de Recurso do TJCM, que vai para o Tribunal Judicial da Província de Inhambane, e de Erzelina Manjate, que sai da 1ª secção do Tribunal Judicial da Província de Cabo Delgado para a secção laboral do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo.
Entretanto, Portugal ainda foi a tempo de dirigir, na semana finda, a audição da antiga Ministra do Trabalho, Helena Taipo, e do empresário Lúcio Sumbana, suspeitos de desvio de fundos no Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). Délio Portugal “desce” de categoria, dois meses depois de o seu trabalho ter sido colocado em causa pelos advogados durante o processo de legalização das detenções dos arguidos presos no âmbito das “dívidas ocultas”.
Na histórica e longa maratona da legalização das detenções dos arguidos presos no caso das “dívidas ocultas”, que teve lugar no dia 16 de Fevereiro, Délio Portugal foi acusado de ter violado sistematicamente os preceitos básicos do processo penal. Conforme noticiou “Carta”, primeiro, Portugal não transcreveu, durante as audições, as respostas dos arguidos, alegando que tinha entendido as suas declarações.
Segundo “elaborou”, de forma rápida, os despachos contendo as medidas de caução. Nesse dia, Délio Portugal iniciou a leitura dos despachos 45 minutos depois de ter ouvido o oitavo e último arguido detido até aquela altura. Em média, cada despacho tinha cinco páginas com argumentos de doutrina, jurisprudência e fundamentação factual, o que levava a crer que ele tinha elaborado os despachos previamente. Para piorar, o juiz presidente-substituto do TJCM comunicou, na segunda-feira seguinte, que aquele processo tinha sido submetido naquele sábado. Passados quase 15 dias, Portugal voltou a ser notícia, quando indeferiu, sem argumento plausível, os requerimentos de alguns advogados solicitando as peças relevantes do processo, com destaque para o despacho fixando as medidas de coação.
Caso “Helena Taipo”
Para além de ter instruído o processo 1/PGR/2015, Délio Portugal também estava a instruir o processo n° 94/GCCC/17-IP, relativo ao desvio de fundos no Instituto Nacional de Segurança Social, onde são arguidos Helena Taipo, Lúcio Sumbana e mais três pessoas.
Na qualidade de juiz instrutor do processo, Portugal emitiu, a 8 de Março último, quatro mandados, ordenando a apreensão de um imóvel de habitação, no condomínio Joss Village; a busca e apreensão de joias não quantificadas; a busca e apreensão de dinheiro; e a busca, apreensão e revista daquela residência, afim de apreender equipamentos informáticos (computadores, tablets, telefones e flashs) e outros que fossem encontrados na residência da arguida e no local de desenvolvimento de actividade laboral e empresarial. Na sequência desta situação, Taipo elaborou uma exposição dirigida à Directora do Gabinete Central de Combate a Corrupção, com conhecimento do Presidente da República, queixando-se de violação dos direitos fundamentais, consagrados na Constituição da República (CRM).
Porém, nem com isso Portugal ficou intimidado. Nos princípios deste mês, ele ordenou a apreensão, em Pemba, de um imóvel pertencente a uma das filhas de Helena Taipo. Entretanto, em vez de enviar uma carta precatória ao Tribunal Judicial da Província de Cabo Delgado, como devia ter feito dado que aquela não era sua jurisdição, Portugal deslocou-se para aquela cidade, de modo a executar pessoalmente o mandado.
Estas são algumas das razões que, de acordo com as nossas fontes, concorreram para a “despromoção” do juiz que instruiu o processo das “dívidas ocultas”. Segundo as mesmas fontes, a transferência de uma secção de instrução criminal para laboral representa uma despromoção, pois, a secção laboral é inferior a de instrução criminal.
Alguns juristas exigem explicações em relação a transferência daquele magistrado judicial para que não haja “más interpretações” sobre a sua saída, pois ele instruía processos mediáticos, alguns ainda estão em processo de instrução como é o caso do Processo n° 94/GCCC/17-IP, no qual é arguida Helena Taipo, Lúcio Sumbana e mais três pessoas. Outros entendem a atitude do CSMJ como sendo protecionista tendo em conta as críticas na opinião pública sobre a forma como ele conduz os processos. (Abílio Maolela)
Fonte: Carta de Moçambique