Por Fernando Lima
Sumário Executivo da Auditoria Kroll Notas breves
O sumário que nos foi oferecido tipo prenda pelo 42o. Aniversário da Independência Nacional, linhas gerais, não traz muito mais do que foi escrito nos últimos meses pela imprensa internacional e depois, largamente reproduzido pela comunicação social moçambicana.
Têm sido determinantes neste processo publicações como o Wall Street Journal e o Financial Times.
Complementarmente, publicações de circulação restrita como os relatórios da Economist Intelligence Unit e a Africa Confidential completam o quadro.
A Kroll, e o sumário vale o que vale, vem dizer-nos o seguinte:
– A avaliação aos equipamentos e serviços fornecidos às três empresas moçambicanas aponta para uma sobrefacturação de USD713 milhões;
– Os equipamentos entregues e controlados pela Kroll ascendem a USD505 milhões, o que significa que há um “buraco” de USD1300 milhões, depois de deduzidas as comissões pagas aos bancos Credit Suisse e VTB Capital;
– Entre os vários “items contabilísticos”, tal como já tinha acontecido durante a Comissão Partlamentar de Inquérito (CPI), ninguém assume a recepção de USD500 milhões, aparentemente gastos em equipamento militar;
– Os empréstimos foram concedidos às entidades moçambicanas de forma muito suis generis. Deduzidas as comissões, o montante dos empréstimos foi transferido para a empresa Privinvest sedeada em Abu Dhabi e pertencente ao libanês Iskander Safa. Esta empresa, por sua vez, para além do fornecimento dos equipamentos, fazia pagamentos `as empresas moçambicanas. Provavelmente, foi este o canal utilizado para todos os pagamentos não auditados pela Kroll e feitos para Moçambique (entidades e indivíduos);
– O Governo de Moçambique, apesar de ter assumido a realização da auditoria junto do FMI, boicotou activamente os trabalhos da Kroll nomeadamente, o Ministério de Economia e Finanças(MEF), o Banco de Moçambique(BM), o Ministério de Defesa Nacional e o Sise. Até os bancos comerciais recusaram cooperação. Aqui não está claro qual foi o papel da PGR perante as dificuldades da Kroll, pois poderia intimar com força legal essas mesmas instituições a fornecer a informação solicitada;
– Apesar das deficiências das instituições moçambicanas, o MEF e o BM têm capacidades internas de controle bem mais sofisticadas do que e’ relatado no relatório, pelo que se pressupõe que foi deliberada a “manifestação de incompetência” demonstrada no relatório;
– Outras instituições serão eventualmente chamadas à colação devido às incongruências de determinadas revelações como é o caso de contas bancárias não reportadas e, nomeadamente, a Ernst & Young que fez auditoria às contas das três empresas pertencentes aos serviços de segurança moçambicanos e participou no “consórcio” para a renegociação dos “eurobonds” da Ematum (conjuntamente com o BNI);
– A pessoa A, claramente António Carlos do Rosário(ACR), o PCA das três empresas, não podia (nem pode) persuadir o ministro das Finanças Manuel Chang a assinar as garantias dos empréstimos sem que outra figura, claramente o PR da altura, tivesse dado apoio tácito para tais operações (Armando Guebuza não é citado no relatório);
– Operações financeiras reportadas a 2013 e 2014 demonstram que as operações envolvendo as três empresas eram bem conhecidas de instituições como o MEF, BM, MDN e pelo menos quatro bancos comerciais. (O governador do BM disse em Abril de 2016 que desconhecia a existência da Proindicus);
– Apesar de nomes não serem revelados no sumário, são claras as referências a António Carlos do Rosário, Manuel Chang, Isaltina Lucas, Henrique Gamito, Gregório Leão, Lagos Lidimo e Atanásio Ntumuke.
– Depois da publicação do sumário, várias entidades envolvidas já reagiram, nomeadamente o Credit Suisse que diz que apenas recebeu comissões no valor de USD23 milhões, a Privinvest considera que a transferência de propriedade intelectual não foi considerada, uma entidade moçambicana que não quer ser mencionada também considera que os pagamentos declarados estão “muito exagerados”. ACR , via whatsapp, tem um longo texto a circular sobre a auditoria.
– O FMI congratulou a divulgação do sumário mas faz notar, como muitos milhares de moçambicanos incrédulos, que há grandes lacunas não explicadas no documento da Kroll.
O governo, através do primeiro pronunciamento do presidente Nyusi, passou ao lado das graves constatações do sumário, incluindo desobediência qualificada e abuso de poder, quer claramente pôr para trás das costas a auditoria e trazer de novo os doadores e o FMI à mesa da cooperação.
Apesar do pessimismo que rodeou a elaboração e entrega do relatório, há grandes pistas de trabalho decorrentes da pesquisa e que eventualmente levem a concluir que, entre 2013 e 2016, houve de facto uma tentativa de “rapto” do Estado de Direito democrático em Moçambique.
Por: Fernando Lima