COMBATE AO TRÁFICO DE DROGA: Beatriz Buchili continua a se lamentar e deixa de atacar os grandes “barões” da droga dentro da Frelimo

Depois de na abertura do Ano Judicial ter dito que o envolvimento de agentes da Polícia, magistrados, advogados e políticos compromete o combate ao tráfico e consumo de drogas, no Informe Anual à Assembleia da República Beatriz Buchili lamentou a faltade colaboração dos deputados em denúncias sobre os “barões” da droga.

Estranhamente, a PGR tem nas mãos um processo de difamação movido por Caifadine Manasse contra os seus pares, deputados da Frelimo, cuja origem está numa denúncia sobre um deputado barão da droga. O processo sobre difamação está a andar, mas a PGR está num silêncio barulhento sobre o “barão”.

A Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, apresentou na quarta-feira e quinta-feira da semana passada o seu Informe Anual à Assembleia da República (AR).

No capítulo sobre o tráfico e consumo de droga, Beatriz Buchili assumiu que o fenómeno estava a agigantar-se perante um Estado de joelhos, frágil ou fragilizado, o que abre caminho para que o sindicato criminoso da droga prospere a olhos vistos. Segundo Beatriz Buchili, Moçambique regista um aumento de apreensões de anfetaminas, metanfetaminas e outras drogas, o que revela que o país se tornou num local de produção destas substâncias.

Dados do Informe da Procuradoria-Geral da República (PGR) indicam que em 2023, houve um registo de 1.245 processos de tráfico e consumo de estupefacientes, substâncias psicotrópicas, percursores e preparados, sendo de destacar 20 processos com conexões internacionais, contra 1.035, de igual período anterior, registando-se um aumento de 208, o correspondente a 20,3%. Acções concretas para o combate ao mal não há. Apenas lamentações de quem dirige o Ministério Público (MP), uma instituição com um papel determinante no combate ao crime nas suas mais variadas formas.

Depois de, em Fevereiro, durante a cerimónia de abertura do Ano Judicial, ter-se queixado e lamentado da falta de integridade das instituições e da corrupção, enquanto instrumentos usados pelo crime organizado para estender as suas teias na Polícia, nas magistraturas, na advocacia, na política, na económica e na sociedade, manipulando as agendas das instituições e comprometendo o Estado, na quarta-feira, 24 de Abril, Beatriz Buchili usou o púlpito da AR para lamentar o facto de os mandatários do povo terem conhecimento de indivíduos nos meandros do crime organizado transnacional e não os denunciarem às autoridades.

“Nas vossas intervenções, alguns ilustres deputados deram a entender que conhecem mandantes, alguns dos quais, de colarinho branco”, disse a Procuradora. E lamentou a alegada falta de denúncia por parte dos deputados. “Portanto, encorajo V. Excias a efectuarem as denúncias”, disse.

Estranhamente, a PGR tem nas mãos um processo de difamação movido por Caifadine Manasse contra os seus pares, deputados da Frelimo, cuja origem está numa denúncia sobre um deputado barão da droga. O processo sobre difamação está a andar, mas a PGR está num silêncio barulhento sobre o “barão”

Apesar de o MP poder agir oficiosamente, o que significa que não depende apenas de denúncias para agir, queremos lembrar à Digníssima Procuradora que correm termos na PGR dois processos movidos pelo deputado e antigo porta-voz da Frelimo, Caifadine Manasse, contra 26 pessoas, das quais pelo menos 24 são deputados, por calúnia e difamação. Esses processos têm origem numa denúncia feita recentemente pelo deputado da Renamo, Venâncio Mondlane, em sede da Assembleia da República, dando conta de que o primeiro vice-presidente da AR, Hélder Injonjo, é um barão da droga.

Para entender como tudo aconteceu é preciso recuar até finais de Novembro de 2022, quando o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) da Zambézia apresentou, na cidade de Quelimane, dois funcionários do Estado detidos no Estabelecimento Penitenciário da Província da Zambézia por indícios de envolvimento no tráfico de drogas pesadas. Trata-se de um professor da Escola Secundária Bonifácio Gruveta, posto administrativo de Macuse, distrito de Namacurra, e de um tenente das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, afecto na Base Naval de Macuse.

Na altura, por suspeitas de envolvimento no tráfico de drogas de algumas personalidades, incluindo um deputado da AR, eleito pelo círculo eleitoral da Zambézia, com assento na Comissão Permanente da Assembleia da República, e tendo em conta a denúncia feita por Venâncio Mondlane, constituiu-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para averiguação. Sem grandes surpresas, numa sessão que decorreu a porta fechada, a CPI disse que não havia evidência nenhuma que sustentasse as informações sobre o envolvimento de um deputado no tráfico de drogas na Zambézia.

A PGR, que pode agir oficiosamente, fechou os olhos e tapou os ouvidos para este caso. Entretanto, a PGR tem dois processos-crime movidos pelo deputado da Frelimo, Caifadine Manasse. Num dos processos, Manasse demanda 23 colegas seus, deputados da bancada da Frelimo pelo círculo eleitoral da Zambézia, por calúnia e difamação, pelo facto de esses deputados o terem acusado de ter sido ele quem disse a Venâncio Mondlane
que andava um barão na AR.

Este processo está a correr. Dos 23 deputados, um (Damião José) já foi formalmente acusado pela PGR. Em 9 de Janeiro de 2024, Caifadine Manasse fez uma participação criminal contra Hélder Injonjo e Gregório Gonçalves, deputados da Assembleia da República, e Salomão Moyana, Jornalista, também por calúnia e difamação. Segundo apurámos, a participação está em tramitação. Portanto, os dois processos estão a correr. A questão que colocamos é: o que impede a PGR de investigar o “barão da AR”? Uma coisa é a PGR remeter um processo ao tribunal e o tribunal não se pronunciar. Mas o que sucede é que a PGR não está a agir.

No ano passado, um destacado analista sul-africano disse que o tráfico de heroína para África do Sul florescia graças às facilidades dadas pela Frelimo. Moeletsi Mbeki, vice-presidente do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (um “think tank” independente de políticas públicas baseada na Universidade de Witwatersrand) e irmão mais novo do antigo presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, considera o consumo de heroína “uma epidemia, especialmente entre os jovens negros nas cidades”.

No dia 1 de Junho de 2010, o então Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, designou Mohamed Bachir Suleman (MBS) “barão” de droga. É público que MBS é um dos principais financiadores das campanhas da Frelimo desde os tempos de Joaquim Chissano. Acredita-se que esse financiamento é uma forma de “massagear” o sistema para continuar a garantir protecção. Um relatório da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, publicado em 2022, indica que, na África Austral, os portos de Pemba e de Nacala estão entre os mais importantes no tráfico de droga.

De acordo com esse relatório, os países do Leste e do Sul da África podem estar a receber mais drogas em relação à América Latina. O Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime alertou, em 2019, que Moçambique se tornou num corredor de grandes volumes de substâncias ilícitas, principalmente heroína, e recomendou uma maior cooperação internacional para a prevenção.

A droga move milhões de dólares. São esses dólares que financiam o partido Frelimo. Um estudo da autoria de Joseph Hanlon, intitulado “Heroína continua sendo uma das maiores exportações”, indica que todos os anos são movimentados entre 10 e 40 toneladas de heroína, ou mesmo muito mais, através de Moçambique, com um valor de exportação de 20 milhões de US$ por tonelada.

Segundo esse estudo de 2018, estima-se que pelo menos 2 milhões de US$ por tonelada ficam em Moçambique, na forma de lucros, subornos e pagamentos a figuras seniores moçambicanas. Assim, o Centro para Democracia e Direitos Humanos reitera que a PGR deve parar de se lamentar e agir. Não porque os deputados não fazem denúncias que a PGR não vá agir, porque, como vimos, o MP pode agir oficiosamente. A inércia da PGR no combate contra o tráfico de drogas cria, na sociedade, a percepção de que a PGR está a proteger os barões da droga. (TEXTO: CDD)

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