CARTA AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
(O constitucionalismo está na “sala de reanimação”, mas porque temos “excelentes médicos”, a sua “vida” pode ser salva)
Senhor Presidente da República (PR), Filipe Jacinto Nyusi:
Começo por, uma vez mais, tal como o fiz publicamente na semana passada, no programa “Noite Informativa”, na STV Notícias, Vos endereçar os meus parabéns pela forma geralmente responsável em que tem superintendido a luta contra a pandemia da COVID-19 em Moçambique. Reitero a extensão deste meu aceno positivo a todos os profissionais da saúde do Rovuma a Maputo e do Zumbo ao Índico, incluindo os que não têm direito a nome nos jornais, que dia e noite têm dado tudo de si a bem da vida de todos nós.
Senhor Presidente,
Enquanto julgo geralmente razoáveis as medidas que anunciou ontem visando a gestão desta “nova (a)normalidade”, e porque há como efectivá-las sem violar a Constituição da República de Moçambique (CRM), que Vossa Excelência jurou respeitar, havendo, com a decretação de mais um ciclo de Estado de Emergência (EE) pelas mesmas razões, clara afronta à lei fundamental (artigo 292), sou de opinião que o Senhor Presidente tem, sendo, sobretudo, o mais alto magistrado da Nação Moçambicana, o dever de, antes de proceder à promulgação e publicação da Lei da Assembleia da República (AR) que ratificará o Vosso Decreto Presidencial de ontem, 5 de Agosto de 2020, o dever de solicitar, ao Conselho Constitucional (CC), a apreciação preventiva da constitucionalidade dessa lei.
Na verdade, o Senhor Presidente é a única figura que, nos termos da lei – número 1 do artigo 54 da Lei número 6/2006, de 2 de Agosto (Lei Orgânica do Conselho Constitucional) – “pode requerer (…) a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer diploma que lhe tenha sido enviado para promulgação”. As demais figuras só podem, pois, fazê-lo sucessivamente, ou seja, depois da promulgação e publicação.
Senhor Presidente,
A norma constitucional (artigo 292) que estabelece a duração do EE diz, expressamente, que o mesmo não pode ultrapassar os 30 dias, admitindo, apenas, que esse prazo possa ser prorrogado um máximo de três vezes, “se persistirem as razões que determinaram a sua declaração”. Ou seja, a manutenção do que originou a declaração do EE não permite um novo EE, mas apenas a prorrogação daquele por não mais que 90 dias (30 dias de cada vez), o que já foi feito.
E essa norma, Excelência, deve ser interpretada, e não somente lida, não sendo a CRM jornal, considerados princípios como os da unidcade da constituição, democracia e legalidade constitucional. Aliás, não é por acaso que a lei – número 1 do artigo 48 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional – preconiza que os pedidos de apreciação de constitucionalidade devem, igualmente, se referir a princípios constitucionais.
Senhor Presidente,
Sendo a mais pura verdade que cidadãos como eu, embora integrem o que Vossa Excelência chama de “meu patrão”, não têm nenhum peso académico-intelectual, muito menos político, em situação diferente se encontram pessoas como o Doutor Teodato Hunguana (que foi juiz conselheiro do CC, além de ter sido, de entre outros, ministro da Justiça) e o Professor Doutor Teodoro Waty (que já presidiu, de entre outros, à Primeira Comissão da AR), para quem não há espaço para um novo ciclo de EE, pelas mesmas razões. Até porque catalogaram uma eventual situação tal, no jornal Canal de Moçambique de ontem, de “autêntica invenção”.
Antes dos dois ilustres que cito acima, o Doutor Abdul Carimo Issá, que já foi, durante considerável tempo, presidente em exercício da AR e antigo director da extinta Unidade Técnica de Reforma Legal (UTREL), disse semana passada, em declarações à imprensa, que já não era mais possível decretar EE, pelo menos sem violar a CRM. Todos estes três, Excelência, são, como bem sabe, além de tudo, seus camaradas no partido Frelimo, na eventualidade de desconfiar (sei que não é o caso!!!) que certas interpretações sejam de “adversários políticos”.
Termino, Excelência, agradecendo a Vossa atenção, reiterando a minha fé no accionamento do CC, por parte de Vossa Excelência, para efeitos de fiscalização preventiva da lei [da AR] que sancionará, indubitavelmente, o Decreto Presidencial em crise. Sendo possível continuar a gerir a situação sem violar a lei fundamental, o Senhor Presidente tem o dever de se apartar de arranjos que Vos tornarão tristemente célebres por toda a vida, sendo, sobretudo, o primeiro PR de Moçambique que terminará o segundo e último mandato antes da idade de reforma!!!
Maputo, às 07h55 do dia 06 de Agosto de 2020.
Mui respeitosamente,
Ericino de Salema