O “take away” chinês atingiu os mares de Moçambique. Depois do saque nas florestas, a China investe fortemente no sector pesqueiro nacional. Nas próximas semanas, deverão chegar ao nosso país 114 embarcações chinesas já licenciadas pelo nosso Estado, apurou “Carta” de fontes seguras do sector. Na relação nominal de armadores a caminho de Moçambique destaca-se o Grupo Hong Dong Pesca com 20 embarcações, que serão distribuídas entre a captura de pescado e camarão de profundidade. Seguem-se a Guandong Golden Silver Pelagic e a Guadong Golden Gulf Pelagic Fisheries, com 12 embarcações cada, para a captura de atum. A lista apresenta vários outros armadores com mais de 5 embarcações, preparadas para diversas artes de pescas, entre arrasto e palangre (uma das formas de pesca de atum). Eis os restantes nomes: Guandong Golden Age Pelagic Fishery Co. Ltd (com 10 barcos); Guandong Bright Forward Pelagic Fishery Co. Ltd (com 12 barcos); Zheijang Hongyang Mar Pesca Mozambique (com 10 barcos); Hong Dong (1 barco); Zhejing Chengxin Pelagic Fishery Co, Lda (com 3 barcos); Global Reach, Lda com (6 barcos); Oceano Fresco, SA (com 4 barcos); Ming Yu Pescas Lda (com 6 barcos); Emotil (com 17 barcos); Stonechen Comercial – Produtos De Pesca Moma (com 1 barco).
Os pedidos de licenciamento de armadores chineses entram todos os dias na Administração Nacional de Pescas (ADNAP), uma direção do Ministério do Mar, Aguas Interiores e Pescas. De acordo com uma fonte do sector, grosso modo, o licenciamento é feito sem demora. Em Maio de 2017, a Zheijank Beimei Agriculture Development recebeu sua autorização para “realizar um projecto de pesca em Moçambique com recurso a 20 embarcações industriais (…), sendo 8 navios do tipo de rede de arrasto, 3 navios de camarão, 3 de atum e 6 redes de arrasto com uma quota de 767.800 toneladas/ano”. Em Junho de 2017, a Nanjing Runyang Fishing Corporation recebeu, através da Motil Moçambique Lda, a confirmação da “titularidade de presenças e quotas de pescas”, nomeadamente de gamba (120 toneladas), de lagostim (30), de caranguejo (30), de peixe (30), de cefalopodes (24) e de lagosta (24). Estes são apenas dois de entre vários casos que mostram uma cada vez maior presença de armadores chineses em Moçambique.
O sector vive em estado de alarme por vários motivos. O primeiro, mais grave, é a inexistência de um estudo atualizado do manancial do recurso, o qual daria uma ideia objetiva sobre o potencial de captura, de acordo com padrões aceitáveis de gestão ambiental. Fontes do sector dizem que o licenciamento está a ser feito sem a observância de padrões de gestão ambiental. Ontem, procuramos, em vão, ouvir a Directora da ADNAP, Cláudia Tomaś.
Na edição da “Carta” de ontem, trouxemos uma nota dando conta da chegada recente à China de 6 arrastões chineses carregado 359 toneladas de pescado diverso capturado em Moçambique. Na peça estava clara a intenção da China de mandar mais embarcações para cá. Mas para os armadores tradicionais, já há demasiada operação chinesa nos mares de Moçambique. “Muitos deles não cumprem as regras. Alguns fazem arrasto dentro das 12 milhas”, alegou uma fonte. As águas territoriais de Moçambique compreendem a distância que vai da costa até 12 milhas para dentro do mar. A zona económica exclusiva compreende as 200 milhas para lá da fronteira imaginária das 12. De acordo com a legislação relevante, a pesca por arrasto é proibida dentro das 12 milhas, incluindo no banco de Sofala, que vai deste o norte de Inhambane, no Save, até Angoche. Por causa do seu ecossistema, a região é propensa à ocorrência de camarão. Por isso, a zona está vedada a arrastões, que só podem operar para lá das 12 milhas.
Mas na fotografia de celebração da faina moçambicana na China, podiam ver-se espécies como a garoupa, que ocorre em regiões onde o fundo do mar é caracterizado por recifes e rochedos, nomeadamente a sul do Save ou a norte de Angoche, onde também é proibido o uso de arrastões (para prevenir o arrastamento de recifes de corais). Ou seja, alguns armadores chineses não estão a cumprir as regras, usando o arrasto em zonas proibidas, incluindo o arrasto de peixe no banco de Sofala. “Carta” recebeu relatos descrevendo o mesmo modus operandis de incumprimento das normas que se verificava no sector madeireiro, onde operadores chineses simplesmente davam costas à legislação. A perspetiva da vinda de dezenas de novas embarcações está a criar calafrios entre os armadores nacionais, industriais e semi-industriais. Dois semi-industriais disseram à “Carta” que o padrão de operação dos armadores chineses é de pura delapidação do recurso.
Ontem “Carta” tentou ouvir fonte relevante do Instituto Nacional de Investigação Pesqueira (INIP), que no passado já teve uma palavra a dizer na gestão do setor pesqueiro em Moçambique, nomeadamente na determinação de períodos de veda (no caso do camarão) e do volume do esforço de captura, contribuindo efetivamente na prevenção da sobrepesca. O diretor estava ausente e ninguém se predispôs a receber-nos. Há quem diga que o INIP já não é o que era. Sua capacidade de influência reduziu bastante.
O cenário parece caótico. E da Asia, o apetite por pescado moçambicano envolve também interesses tailandeses. Sua disponibilidade para acatar as normas é também descrita como nula. Há meses atrás, embarcações da Golden Reach (armador tailandês em parceria com uma conhecida figura empresarial moçambicana) estiveram a pescar no banco de Sofala, no período de veda. As autoridades de fiscalização foram alertadas mas não intervieram. Regra geral, os armadores chineses têm fortes ligações com figuras influentes na política e no Governo. Mas o relaxamento das autoridades envolve um risco que também pode afetar a exportação dos armadores tradicionais para a Europa. Depois de um esforço de anos, Moçambique conseguiu obter facilidades para a exportação para aquele mercado desde que a captura e processamento do pescado obedecesse a altos padrões de higiene. Há suspeitas de que as embarcações chinesas não garantem boas condições fitossanitárias. Este assunto ainda vai fazer correr muita tinta. (Marcelo Mosse)
Carta