Análise minuciosa da problemática das dívidas ocultas

Análise minuciosa da problemática das dívidas ocultas

Na terça-feira da semana passada, a Procuradoria-Geral da República emitiu e divulgou o Comunicado de Imprensa n0 01/PGR/GC/012.3/2018. Este comunicado trata do problema da dívida pública contraída pelas empresas ProÍndicus, S.A; EMATUM-Empresa Moçambicana de Atum, S.A e MAM-Mozambique Asset Management, S.A, através de financiamento externo, com garantia do Estado, no valor global de 2 biliões e sete milhões de dólares americanos.

Não tenho dúvidas de que todo o cidadão moçambicano, quer estivesse a trabalhar, quer estivesse a conduzir, quer estivesse a caminhar, quer estivesse na refeição, quer estivesse a descansar, interrompeu os seus afazeres para dedicar o seu precioso tempo na leitura e análise do documento tão importante para a sua vida. Não posso imaginar indiferença de nenhum moçambicano face a este documento dado que o país foi lançado na lama pela coragem de seus dirigentes que contrariando todos os procedimentos legais e económicos decidiram pedir emprestado a quantia bilionária acima indicada para seu benefício pessoal e das suas famílias.

Com as dívidas ocultas Moçambique viu os seus doadores internacionais, nomeadamente, o FMI, o Banco Mundial e os demais, a cortarem seus financiamentos ao Orçamento do Estado. A inflação disparou. Os cidadãos mais desfavorecidos viram as suas condições de vida a piorarem drasticamente. O saco de farinha de milho de 12.5 kg que antes da contração destas dívidas ocultas custava 265mt passou a custar 600mt, um agravamento preçário de acima de 100%, só para dar um exemplo. O agravamento do custo dos produtos de primeira necessidade generalizou-se. Tornou-se difícil sobreviver.

O crescimento económico anual do país baixou de 7% para 3.5%. Os investimentos privados retraíram-se. Muitos empresários fecharam as unidades de negócios.

Em todas as esquinas, inclusive nas barracas, a conversa das pessoas era de lamentação. Ninguém podia acreditar que governantes eleitos pelo Povo e que se dizem patriotas podiam chegar ao extremo de desgraçar a pátria que juraram servir da forma como o fizeram, mas este mesmo Povo, como sempre se limitou a lamentar-se e a procurar amarrar o cinto para suportar o emagrecimento resultante da privação do mais básico dos alimentos.

Ficou desde logo claro que estas dívidas ocultas seriam pagas por cada um dos moçambicanos, pelos seus filhos, netos e bisnetos. Os que desgraçaram o país com estas dívidas nunca se dignaram a esclarecer ao Povo as circunstâncias em que as contraíram. Pelo contrário, foi a imprensa internacional que despoletou o problema que de seguida foi replicado pela comunicação social nacional.

Esperava-se que descoberto o endividamento inconstitucional, ilegal e criminoso, os órgãos da administração da justiça nacionais exercessem as suas obrigações legais, investigando minuciosamente todas as circunstâncias que rodearam a contratação das dívidas com garantia soberana. Mas viu-se o contrário. A Procuradoria-Geral da República aguardou ordens dos seus patrões, os mesmos que endividaram escandalosamente o país, para agir. Foi graças à revolta e imposição dos doadores internacionais que recorreram ao corte dos financiamentos que o Governo do dia viu a seriedade do assunto e ordenou a Procuradoria-Geral da República a abrir os inquéritos criminais para o esclarecimento das dívidas. Mas como a comunidade doadora sabe que a Procuradoria-Geral da República é marionete do regime político vigente impôs que a auditoria forense ás dívidas fosse feita por uma empresa internacional de reputado mérito. O Governo tentou a todo o custo remar contra a maré, negando a auditoria internacional mas quando viu que as instituições da finança internacional, que se regem pelos melhores valores de transparência e respeito pelos dinheiros dos contribuintes, não arredavam o pé nas suas exigências, o Governo viu-se num beco sem saída e aceitou a auditoria internacional e independente e ordenou a Procuradoria a agir em conformidade.

Meus caros concidadãos deixem-me esclarecer-vos o seguinte: NÃO EXISTE DINHEIRO DO ESTADO. NÃO EXISTE DINHEIRO DO GOVERNO. O dinheiro que o Governo gere é o dinheiro dos contribuintes. É dinheiro de cada um dos cerca de 28 milhões de moçambicanos. É por esta razão que a nossa Constituição da República e as demais leis obrigam o Governo a colher consentimento da Assembleia da República para a contratação de dívidas. E sabem porquê? Porque nos Estados de direito democrático os deputados da Assembleia da República representam o Povo. Quando a lei obriga a que o Governo peça autorização à Assembleia da República quer a lei significar que cada um dos moçambicanos deva aceitar e consentir o endividamento, exactamente porque quem pagará a dívida é cada um dos moçambicanos com o suor do seu trabalho. Mas como seria impraticável consultar cada um dos 28 milhões de moçambicanos consulta-se os seus representantes, legitimamente eleitos e que representam a sua vontade.

Por isso, o problema das dívidas ocultas não é um problema do Governo, é sim problema de todo o Povo. O Governo não vai fabricar dinheiro para pagar as dívidas, vai busca-lo do bolso de cada moçambicano. É isto que cada um de nós devia perceber para se rebelar das ilegalidades, injustiças e desgraça geradas por este endividamento criminoso. E isto implica exigir-se a rápida responsabilização dos que cometeram este crime contra a humanidade. E é crime contra a humanidade porque hoje falta pão na mesa dos moçambicanos. Hoje falta até paracetamol nos hospitais públicos. Hoje não são contratados professores em número suficiente para as escolas públicas. Nem médicos são formados e contratados em número suficiente. E sabem porquê? Porque o país está tecnicamente falido. E o país está falido porque sendo pobre não pode viver e desenvolver-se sem o financiamento dos doadores internacionais.

Os doadores internacionais sempre foram claros nas suas exigências para a retoma dos financiamentos. É um facto que o país foi endividado de forma oculta, ilegal, injusta e criminosa. Isto ninguém pode apagar ou negar. É como quando alguém pega numa arma de fogo e mata uma pessoa. Fazer justiça nunca é negar o facto morte porque este facto já ocorreu. É uma realidade. Fazer justiça é esclarecer as circunstâncias da morte, identificar e responsabilizar de forma adequada o autor do crime. O que os doadores internacionais querem como condição para continuar a cooperar é que os órgãos da administração da justiça nacionais investiguem os contornos do endividamento oculto, apurem responsabilidades, punam os autores dos crimes conexos e busquem a recuperação dos valores desviados.

Esta exigência dos doadores devia ser em primeiríssimo lugar dos moçambicanos porque a obrigação do reembolso dos valores do endividamento oculto não é e nunca será dos doadores, mas sim de cada um dos 28 milhões moçambicanos.

Quando o antigo Procurador-Geral da República, Augusto Paulino, se apercebeu do bicudo problema das dívidas ocultas procurou sair pela porta grande, pedindo demissão. Foi nomeada para seu lugar a actual Procuradora-Geral da República que no dia 29 de Janeiro do corrente ano decepcionou de forma irreversível cada um de nós moçambicanos. Acredito que o próprio Presidente da República deve andar cabisbaixo com a actuação desta Procuradora-Geral da República que foi escolhida a dedo pelo antigo Presidente da República, Armando Guebuza. E foi indicada exactamente para prestar o servicinho que está a prestar, de encobertar os autores dos crimes das dívidas ocultas. E a sua estratégia de actuação já é conhecida por qualquer cidadão de atenção média. Não se precisa de grande inteligência para se perceber que os Comunicados de Imprensa recorrentes na comunicação social, todos com violação do segredo de justiça e da presunção da inocência, com excepção dos referentes às dívidas ocultas, em que nunca se fala de nomes, para proteger a honra e dignidade dos graúdos, visam única e exclusivamente distrair a opinião pública nacional e internacional, procurando queimar o tempo na esperança de que o esquecimento vai abafar a pressão.

Mas como eu disse acima o FMI, o Banco Mundial e demais doadores têm memória institucional, são instituições e organizações sérias, dirigidas por pessoas de reputado mérito e de idoneidade inquestionáveis. Não vão esquecer e muito menos usarão dinheiros dos impostos dos contribuintes dos seus países para financiarem um país corrupto e incapaz de punir os seus criminosos.

O Comunicado da PGR diz ter o Ministério Público constatado diversos factos susceptíveis de consubstanciar infracções financeiras, na vertente de violação da Constituição da República de Moçambique e da legislação orçamental e enumera algumas dessas violações, quais sejam, o desrespeito dos procedimentos e dos limites fixados por lei na emissão de garantias e avales pelo Governo; a inobservância dos procedimentos legais na contratação de financiamento externo e na contratação de bens e serviços e a execução de actos e contratos sem a sua submissão para a fiscalização obrigatória pelas entidades competentes.

O Ministério Público indica no referido comunicado ter submetido ao Tribunal Administrativo, aos 26 de Janeiro do corrente ano, uma denúncia com vista a responsabilização financeira dos gestores públicos e das empresas participadas pelo Estado, intervenientes na celebração e na gestão dos contratos de financiamento, fornecimento e de prestação de serviços.

Refere ainda o comunicado ter constatado alguns aspectos que merecem reflexão por parte dos poderes Executivo e Legislativo, com vista a melhoria, fortalecimento e aprimoramento da diversa legislação atinente ao sector empresarial do Estado e dos procedimentos no domínio da emissão de garantias e avales do Governo na contratação de dívidas por empresas constituídas sob a forma privada, entre outros aspectos. E neste pormenor refere a Procuradoria-Geral da República ter remetido ao Governo, no dia 26 de Janeiro de 2018, um documento alertando sobre as obscuridades, deficiências e contradições de textos legais atinentes ao sector empresarial do Estado e de probidade pública, tendo recomendado, dentre outros aspectos o seguinte: necessidade de revisão e aprimoramento da legislação atinente ao sector empresarial do Estado; necessidade de aprimoramento da legislação atinente ao segredo do Estado; necessidade de regulamentação e de concepção de manuais de procedimentos específicos para a emissão de garantias, bem como, para o acompanhamento e monitoria dos projectos beneficiários das garantias do Estado; necessidade de introdução de um comando normativo condicionando a emissão de garantias e avales pelo Estado à emissão de competente parecer legal pela Procuradoria-Geral da República e a necessidade de aprimoramento e revisão da lei de probidade pública.

Termina o comunicado referindo que prosseguem os autos seus termos na componente de identificação de possíveis infracções criminais e responsabilização dos seus agentes.

Muito tempo de ansiedade do Povo para tamanha decepção. Muito tempo de espera para se parir nado morto!

No relatório da Kroll está claro que cerca de 500 milhões de dólares das dívidas ocultas foram gastos sem justificação. Mais de 700 milhões dólares são de subfacturações. O armamento e demais materiais de guerra alegadamente adquiridos não foram recebidos pelo Ministério da Defesa. Aliás, o actual ministro da Defesa se recusou a assinar um termo de recebimento feito a posterior e por cima do joelho para provar um falsa entrega do referido material.

A que possíveis infracções criminais se refere o comunicado da PGR? Caras sem vergonha! Haverá prova superior que aquela que consta do relatório da Kroll? Gastar 500 milhões de dólares sem justificativos já não é crime em Moçambique? Subfacturar 700 milhões de dólares já não é crime em Moçambique? Dizer que entregou armamento comprado com dinheiros públicos e não provar a entrega com competente termo de entrega já não é crime em Moçambique? Só numa República das bananas é que tudo isto não é crime. Se os autores destes hediondos crimes fossem pessoas comuns já estariam a apodrecer nas cadeias.

Volto a perguntar, já que perguntar não ofende: QUE OUTRA PROVA PRECISA O MINISTÉRIO PÚBLICO PARA ACUSAR CRIMINALMENTE OS AUTORES MORAIS E MATERIAIS DA CONTRATAÇÃO DAS DÍVIDAS OCULTAS?

A PGR vem nos dizer que remeteu participação sobre as dívidas ocultas ao Tribunal Administrativo para a responsabilização financeira dos autores das dívidas ocultas. As competências e atribuições do Tribunal Administrativo encontram-se estabelecidas no artigo 1 da lei no 5 /92 de 6 de Maio. Elas consistem na fiscalização da legalidade das despesas públicas e ainda no exercício da jurisdição fiscal e aduaneira. Os actos relativos à instrução criminal e ao exercício da acção penal estão expressamente excluídos da jurisdição administrativa, nos termos do artigo 5 desta lei no 5/92 de 6 de Maio.

Eu, Nini Satar, sempre vos disse que conheço a lei. A vida e as injustiças dos homens que deviam fazer justiça me fizeram especialista em direito. É por isso que vos digo claramente que é uma farsa e brincadeira de mau gosto a remessa de participação pela PGR para o Tribunal Administrativo da problemática das dívidas ocultas.

Mas também sei que a Procuradora-Geral da República vai a Assembleia da República no mês de Março deste ano para apresentar o seu informe sobre o estado da justiça no país. Como ela tem medo dos deputados inventou a remessa do processo das dívidas ocultas ao Tribunal Administrativo para escapar da pressão e embaraços. Assim será fácil dizer que o processo já não está nas minhas mãos.

Os crimes são resolvidos pelo Ministério Público. A lei é clara sobre esta questão. O artigo 4 da lei no 4/2017, de 1 de Agosto, lei orgânica do Ministério Público e que aprova o Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, estabelece na sua alínea e) que compete ao Ministério Público o exercício da acção penal e a direcção da instrução preparatória dos processos-crime. Na República de Moçambique o Ministério Público é o dirigente único e exclusivo da instrução preparatória dos processos-crime. Esta atribuição e competência é acometida de forma exclusiva ao Ministério Público. O Ministério Público é o titular da acção penal. Até sou tentado a dizer para ser mais expressivo que o Ministério Público é o dono exclusivo da acção penal.

Para ser mais esclarecedor digo-vos que nos termos da nossa lei moçambicana se um juiz ou qualquer outro titular de qualquer dos órgãos da administração da justiça, com excepção do Ministério Público, se convencer porque presenciou uma infracção penal e se munir de todo o acervo probatório do crime e pretender que o Ministério Público acuse, se este não quiser acusar nada será feito. Os juízes só julgam e condenam quando o Ministério Público acusa. Se o Ministério Público não quiser acusar os juízes podem chorar, gritar, espernearem-se, que nada acontecerá. Não julgarão nem condenarão porque não houve acusação do Ministério Público.

Por isso vos digo e repito: é brincadeira de mau gosto a remessa de participação sobre as dívidas ocultas ao Tribunal Administrativo. O Tribunal Administrativo poderá no máximo aplicar multas aos autores das dívidas ocultas e/ou lhes aplicar outras sanções administrativas como é o caso de lhes mandar procederem a reposição dos valores desviados na sua aplicação. Mas no caso das dívidas ocultas não estamos diante do desvio de aplicação de verbas públicas. Temos um claro cenário de roubo de dinheiro público e isso é crime punido com pena de prisão maior, sendo que a pena de prisão maior só pode ser aplicada pelos tribunais mediante a acusação do Ministério Público, o mesmo Ministério Público que tem medo de acusar porque ainda não recebeu ordens para fazê-lo. Não sei se ordens do Presidente Nyusi ou se do antigo Presidente Guebuza.

Se as ordens de que depende o Ministério Público são do antigo Presidente Guebuza, SENHOR PRESIDENTE NYUSI: DEMITA DE IMEDIATO A ACTUAL PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA BEATRIZ BUCHILLI. NÃO ACEITE QUE ESTA SENHORA PROCURADORA-GERAL PREJUDIQUE A SUA REELEIÇÃO PARA O PRESTIGIADO CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA.

Sei que o senhor já está à busca de um nome para um novo Procurador-Geral da República. Espero que as suas buscas sejam sábias e inteligentes. Moçambique tem muitos quadros bem formados, idóneos, profissionais, corajosos, arrojados, firmes, competentes e comprometidos com a justiça e legalidade. Com um bom TPC poderá identificar e nomear um desses melhores filhos da pátria amada para Procurador-Geral da República.

Nini Satar

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