A introdução de novos preços para a obtenção de Carta de Condução (pelo Inatter) tem uma explicação cabal que nem o Governo nem o próprio Inatter conseguem fornecer de forma clara e objectiva à opinião pública

Sobre o falso debate à volta do novo preço das cartas de condução – Marcelo Mosse

A introdução de novos preços para a obtenção de Carta de Condução (pelo Inatter) tem uma explicação cabal que nem o Governo nem o próprio Inatter conseguem fornecer de forma clara e objectiva à opinião pública, em mais um desastre de comunicação que seus “apparatchiks” também não conseguiram evitar, abrindo espaço para a profusão de comentários e julgamentos completamente desinformados. Os comentadores são expertos. Recorrem ao argumento de que “há pouca informação disponível” para justificarem o que dizem mas nunca se dão ao trabalho de ir buscar essa ”informação” para melhorar a discussão, empurrando toda a conversa para as “dívidas ocultas”.

Um pequeno apuramento dos factos esbarra logo com detalhes rocambolescos de uma saga que se desenrola desde 2007, quando o Governo decidiu descontinuar as cartas em papel e introduziu o cartão biométrico. O Banco Mundial financiou a operação com 4 500.000 USD. Um concurso foi lançado sob os auspícios da Administração Nacional de Estradas (ANE), que entrou de paraquedas nesta reforma (nunca ficou claro porquê!!!). O objectivo era encontrar uma empresa que, durante 5 anos, produzisse 500 mil cartas, entre a substituição de velhas e atribuição de novas. Ganhou a sul africana Face Techonologies, com esse preço de 4 500.000 USD. Uma empresa local, a Brithol Michcoma, tinha-se proposto a fazer o mesmo por 3 000.000 USD. Mas o júri, de que fazia parte a ANE e um representante do Banco Mundial, preferiu a sul africana (o Director local do Banco na altura, Michael Baxter, teve de responder a uma investigação interna que visava apurar se o papel do escritório local tinha sido isento).

De quem era a Face Technologies? A empresa era controlada por Schabir Shaik, um antigo associado do ex-Presidente sul-africano, Jacob Zuma, condenado por corrupção no quadro do “Arms Deal”, o maior escândalo de corrupção que abalou a África do Sul antes do recente “State Capture” dos irmãos Gupta, também em associação a Zuma. Antes de terminar o contrato com o Estado moçambicano, e por causa dos acontecimentos envolvendo Shaik na RAS, a Face abriu falência. Em 2012, ela já não conseguia fornecer o pacote completo. Vendia ao Inatter apenas o cartão vazio. Tudo o resto tinha de ser feito pelo próprio Inatter, designadamente a compra de tinta e dos filmes de segurança, incluindo a própria impressão. O processo saía caro, mas o Inatter foi arrastando uma relação ineficiente com a Face até que decidiu produzir, ele próprio, as cartas. A opção deu em caos. Entre 2015 e 2016, a impressão de cartas parou por alguns meses.

Em 2017, o Governo teve de encontrar uma solução. Contratou a Brithol, que havia sido rejeitada, para desanuviar o pipeline. Havia 70 mil cartas na lista de espera. A Brithol tinha de produzir essa cartas até o final de 2018. A empresa resolveu tudo em menos de 6 meses. Renovação de cartas e novos pedidos passaram a durar apenas 72 horas. E a Brithol fez isso ao custo dos 9 USD por carta (com referência ao contrato da Face de 2007) mas os insumos no mercado subiram consideravelmente. O contrato para produção por meta chegou ao fim antes do tempo e presentemente a Brithol produz consoante as encomendas solicitadas pelo Inatter. Agora, a empresa ganhou um novo contrato (para quem não saiba, a Brithol imprime cheques aqui na Avenida de Angola para quase todos os bancos comerciais locais, para Angola, Tanzânia e Zâmbia, entre outros serviços de impressão de qualidade e segurança) e é nesse quadro que o custo da carta de condução, com validade de cinco anos, vai subir para 2500,00 Mts (40 USD). Esse valor é o que um cidadão gasta em média por semana para abastecer o carro de combustível. Para um moçambicano de classe média, isso equivale a dizer que ele vai pagar um custo de apenas uma semana para uma carta com validade de 250 semanas.

Mas o pacote do novo contrato com a Brithol, que entra em vigor na próxima segunda-feira, 5 de Novembro, não envolve apenas a produção da carta tout court. Ele compreende também a melhoria dos sistemas de captura de dados, a abertura de 15 novos centros de captura em todo o país, a integração de uma base de dados (para que os cidadãos possam solicitar e pagar renovações de carta online; e este serviço online não é uma oferta falaciosa, daquelas que são contratadas e depois nunca acontecem ou dão em gato por lebre; a Brithol produziu para o Governo de Angola o seu serviço de pedidos de visto online; e funciona; quem foi para Angola nos últimos meses sabe disso; esse mesmo serviço foi oferecido ao nosso Governo e ninguém respondeu).

Mas não é só isso. O tempo de produção de uma carta vai baixar de 72 para 48 horas. Isso envolve mais máquinas e mais pessoas a trabalhar. Quando a nova carta biométrica foi lançada em 2017, há já dez anos, ela custava 9 USD (se dividirmos os 4.500.000 USD por 500.000 cartas ao câmbio actual). Na prática, os moçambicanos continuam a pagar um preço subsidiado (na Inglaterra a carta custa 80 libras, quase 6000 Meticais). Seja como for, 2 500,00 Mts pode ser incomportável para parte dos 2% de moçambicanos que detém essa licença para conduzir e, por isso, o Governo podia encontrar formas distintas de pagamento, como por exemplo, em prestações, em suma, um debate que se impõe. Este é o big picture à volta do incremento do preço para obtenção da carta de condução. Mas como sempre, o Governo, como não sabe comunicar, meteu os pés pelas mãos alimentando um discussão inquinada. E saiu muito mal na figura. Contudo, associar isto às dívidas ocultas não faz qualquer sentido.

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