Dias Balate: obreiro de raptos
Muita gente, dentre ela amigos, fãs e meus inimigos de estimação têm frequentemente mandado mensagens a questionar-me porquê não esqueço a minha vida passada e concentrar-me no presente. Em algumas ocasiões tenho respondido, mas em muita delas prefiro o silêncio.
Antes de ir ao objectivo principal deste post, quero devagar um pouco. Gostava de dizer que cheguei onde cheguei porque tenho confiança e sempre acreditei em Deus. Ele sempre esteve comigo em todos os momentos que precisei. Tenho de agradecer também a mim mesmo por ter sabido ser corajoso para enfrentar os tiranos que a todo custo pretendiam me destruir. Graças a Deus falharam.
Em 2011 muita gente invejosa e indivíduos de má-fé tentaram associar-me à onda de raptos que assolava o país. Vendo que o meu nome estava a ser manchado injustamente, cheguei à fala com o presidente da Comunidade Maometana. Foi ele quem me aconselhou a ignorar tais boatos e nunca levar nada ruim à peito.
No mesmo ano de 2011, uma vez que estava preso na BO, comprei algumas informações, já que por lá circulavam, sobre gangues que se dedicavam aos raptos e outros crimes. Por via do senhor Umberto do Kaya Kwanga, tentei que o senhor Dias Balate, antigo director da PIC, me viesse ouvir na cadeia, pois tinha informações importantíssimas para lhe dar.
Dias Balate, no entanto, fez ouvidos de mercador. Ou seja, ignorou-me por completo até que no dia 12 de Janeiro de 2012 dirigi-lhe uma carta (documento em anexo nesta carta) a pedir que me viesse ouvir. Detalhava que tinha informações importantes sobre alguns raptos e era pertinente que me viesse ouvir com toda urgência. Recordo-me que falava também do rapto de um senhor que acaba de acontecer no prolongamento da Avenida Julius Nyerere e tinha toda a informação sobre os protagonistas desse rapto. Até dizia que na gangue estava um elemento que pertencia à Casa Militar (Presidência).
Dias Balate recebeu essa carta no mesmo dia 12 de Janeiro. Soube disso porque quando o meu estafeta foi deixar a carta na PIC, a secretária de Dias Balate garantiu-lhe que faria chegar em minutos. Nem com a carta às mãos, Dias Balate não mugiu nem tugiu. Ou seja, pouco se importou em saber que tipo de informações eu tinha.
Porque sou persistente por natureza, no dia 26 de Janeiro de 2012 (conforme o documento em anexo), dirigi uma segunda carta a Dias Balate e nela mostrava a minha indignação por, sendo detentor de informações relevantes, não me ter vindo ouvir ou mandar alguém para o fazer. Aproveitei a mesma carta para lhe dar uma informação de que na BO andava um rumor sobre uma gangue liderada por Bernardo Timana que tinha pretensão de raptar os donos da Delta Trading. Nem com isso nada.
Um olhar sobre Dias Balate
Dias Balate, antigo director da PIC, é um Polícia corrupto, bandido, ladrão e dava guarita a muitos criminosos e sobretudo à gangue de Bernardo Timana em troca de dinheiro. Sempre que esta gangue protagonizava um rapto, Dias Balate tinha direito a uma comissão no dinheiro do resgate.
Dias Balate tem também um irmão, chamado Alexandre Balate, um Polícia criminoso que pertencia à PIC e que em 2007 liderou o assassinato de Abranches Penicelo e, por isso, viria a ser condenado a mais de 20 anos de prisão pelo competente tribunal . Gozando de prestígio de ser agente da PIC, este mesmo irmão de Dias Balate liderava algumas gangues de criminosos. É da família!
Dias Balate, no lugar de me ouvir ou mandar alguém para que o fizesse na BO, convenceu o então comandante da PRM da cidade de Maputo, o senhor Zandamela, para que me transferisse da BO para as celas do Comando da PRM da cidade de Maputo.
Efectivamente, no dia 6 de Fevereiro de 2012, por volta das 19 horas, apareceu na BO um contingente policial e disse que queria fazer uma revista na minha cela. Perguntaram-me como é que tinha um ar condicionado portátil, um televisor 3D e uma cadeira de massagens. Respondi-lhes que estava preso há muito anos e que tudo o que tinha na minha cela entrou com autorização da direcção da cadeia. Disse-lhes que na qualidade de um condenado tenho direito de usufruir de algumas regalias.
Quiseram saber sobre o telemóvel. Tirei e lhes entreguei. Perguntaram se tinha também autorização para usar o telemóvel e eu disse-lhes que o uso do telemóvel era normal nas cadeias moçambicanas e que eu não era o único a usar. Disse-lhes que a população reclusória da BO rondava a 700 reclusos e todos eles tinham telemóveis alguns até usavam dois.
Disseram para que lhes acompanhasse naquela mesma noite. Meteram-me numa viatura “Urso” e directamente fui parar às celas do Comando da PRM. Chegados aqui, tiraram-me o relógio e meteram-me numa cela minúscula onde fiquei sozinho. A cela apenas tinha um banheiro completo e um lugar para dormir. Antes de me fecharem, perguntei se podia ficar apenas com o relógio para poder orientar-me quando chegasse a hora das rezas. Disseram que não e isso eram ordens superiores. De quem? Perguntei. De Dias Balate, responderam-me.
No dia seguinte, ouvi os o som dos portões com um ranger forte dos ferros. Nos pequenos buracos onde havia alguma fresta de luz, conseguia ver ao de longe aquilo que parecia ser um autêntico corredor da morte. Três guardas abriram a portinhola (uma porta pequena que está na porta da cela) só para verificar se ainda continuava vivo. Vi que no corredor onde me encontrava havia sete celas.
Duma dessas celas saiu um recluso que reconheci de imediato: era o Anibalzinho. Ele era o único recluso que tinha direito a banhos de sol. Cumprimentei-lhe da portinhola, como o carcereiro estava um pouco distante, aproveitei para perguntar-lhe se ele tinha telemóvel. Anibalzinho disse-me de imediato que ali não existiam telemóveis. Tudo estava controlado por câmaras e sensores.
Passados 30 minutos fecharam a maldita portinhola até ao dia seguinte. Mas antes perguntei e a comida? Disseram que não tinham ordens para me dar comida e a decisão era da PIC cidade. No dia 7 de Fevereiro fiquei todo o dia sem comer nada.
No dia seguinte, portanto, 8 de Fevereiro, apareceu o senhor Bata, chefe de Operações, com um prato de xima e feijão. Eu disse-lhe que não comia aquela comida porque o meu organismo não estava habituado e que durante os 11 anos que estava preso sempre recebia comida de casa. Na verdade insurgi-me com ele e quis saber quem autorizou a minha transferência para as celas do Comando e disse-me que eram ordens do director da PIC, Dias Balate.
Disse-me que nada podia fazer para contrariar aquela ordem e que mesmo o prato de xima feijão que me trouxe fê-lo por ser humano. Ao Bata eu disse o seguinte: “Diz ao filho da puta de Dias Balate, um ladrão, criminoso, assassino e obreiro de raptos de que o Nini quer falar consigo”.
Fechou-me na cela e naquele dia a porta não mais foi aberta. Só no dia seguinte é que vieram dois polícias e levaram-me do primeiro andar onde estava, ao rés-do-chão onde ficava a sala de reuniões do Comando da Cidade. Um dos polícias que me escoltavam perguntou se eu sabia o que havia acontecido em Maputo no dia de ontem. Respondi-lhe que não, pois estou fechado e mal tenho acesso a comida e muito menos ao jornal. Disse-lhe que a única coisa que havia comido até então foram bolachas água e sal dadas por Anibalzinho.
Foi quando me disse que haviam raptado a dona da Delta Trading. Fiquei com um misto de raiva e felicidade, pois já havia alertado a Dias Balate de que tal iria suceder mas não me deu ouvidos. Inclusivamente facultei-lhe os nomes das pessoas que iriam protagonizar tal rapto.
Chegados à sala de reuniões, em volta da mesa estava o Dias Balate, director da PIC da cidade de Maputo, e o senhor Zandamela, comandante da PRM da cidade de Maputo. Foi quando Dias Balate disse: Nini ajude-nos. Estamos mal. Ajudar em quê? Quis eu saber. Disse-me que acabavam de raptar a dona da Delta Trading. Eu perguntei-lhe se sabia há quantos dias que estava incomunicável, sem comida… sem saber se é dia ou noite? Falei em seguintes palavras: “Que ajuda quer de mim, porque você é que é o protector dos raptores. Mandei-lhe duas cartas para que me viesse ouvir. Você veio?” Fiz graves acusações contra Dias Balate na presença de Zandamela.
Zandamela mandou-me de volta para a cela pois eu estava muito nervoso. No dia seguinte recebi a comida de casa e os jornais. A minha família persistiu muito para que isso acontecesse. Mas continuava sem relógio, sem comunicação, sem assistência de advogados e muito menos visitas familiares. Contudo, lia nos jornais raptos atrás de raptos. Nessa altura já haviam raptado o dono dos Armazéns Machava, o Salimo dos Armazéns Favorita, o filho do proprietário da Casa das Loiças e outros.
De repente chegam-me informações de que Dias Balate mandou prender meus familiares, motoristas, empregados e outras pessoas ligadas a mim. Só não mandou prender os meus cães e gatos porque não lhes conhecia os nomes. Até as minhas viaturas foram apreendidas e mais tarde devolvidas.
Três dias depois estas pessoas foram presentes ao juiz e foram imediatamente soltas porque não havia nada no processo contra elas. Eram apenas perseguições. Recordo-me que quando foi detida uma das minhas irmãs, Dias Balate até chamou toda a imprensa moçambicana para exibi-la como trunfo: a irmã de Nini acaba de ser presa!
Vim a saber do sucedido já no dia seguinte através de um polícia que comentava com um colega seu. Nesse dia nem recebi o jornal habitual pois a família não me enviou para não me deixar preocupado. Fiquei mais preocupado ainda porque não sabia a quem perguntar, pois mal recebia comida a portinhola era fechada até ao dia seguinte.
Fiquei dois dias sem notícias. Decidi em chamar o chefe de Operações e comuniquei-lhe imperativamente que naquele mesmo dia queria falar com Dias Balate. No período da tarde todo ele arrogante e prepotente, como se fosse dono do Ministério do Interior, veio e eu disse-lhe: “Dias Balate, não brinca comigo. Eu sou Nini Satar e não sou como esses monhés que você amedronta. Você prendeu a minha irmã só para mostrar serviço. No dia que tiver telemóvel comigo só por uma hora você vai ser exonerado e nunca mais terá nenhum trabalho. Há-de ficar em casa. Não brinca comigo. Já não quero mais falar consigo a minha guerra já está travada. Se eu não te pôr a chutar latas na rua, não me chamo mais Nini Satar”. Fui-me embora. Na altura já haviam acontecido quase 35 raptos todos protagonizados por uma gangue liderada por Bernardo Timana e tinha a protecção de Dias Balate.
Celas do Comando
As celas do Comando tinham um sistema de controlo moderno. Cada cela tinha câmaras cujo diâmetro era do tamanho de um cotonete. O sistema de som era sofisticado. Mesmo entrando um mosquito na cela o seu som era captado na sala do controlo deste equipamento. O uso de telemóvel era completamente impossível. Levei meses a pensar em como meter um telemóvel.
Num desses dias, simulei que doía o corpo todo e quando veio o enfermeiro disse-lhe que precisava de um telemóvel e estava disposto a gastar até 500 mil meticais por um. Ele disse-me que era completamente impossível usar um telemóvel na cela porque os que controlam o sistema todo vão se aperceber. A nossa conversa decorreu no corredor pois na cela poderia ser ouvida.
Mesmo com esses argumentos eu disse-lhe que precisava de um telemóvel. No dia seguinte ele trouxe-me um telemóvel disfarçado numa carteira de medicamentos. Era um telemóvel pequeno mas não tinha coragem de o ligar. Fiquei dois dias a pensar.
Depois arranjei sabão molhado e coloquei na ponta do cabo da vassoura. Com o sabão tapei todos os buracos que suspeitava de que havia câmaras e sistema de som. Liguei ao meu arquivista e nessa noite exarámos um documento de 44 páginas com provas e anexos de que Dias Balate estava envolvido nos raptos, negócio de emigrantes, protegia traficantes de drogas. Tinha toda a documentação comprovativa de que a droga apreendida no Aeroporto de Maputo, vinda do Brasil, Dias Balate dava um destino pessoal. Tinha provas de que Dias Balate estava conluiado com Bernardo Timana, mandante dos raptos.
Naquela mesma noite disse ao meu homem para fazer uma assinatura minha e fazer chegar o documento no dia seguinte às 7:30 horas ao ministro do Interior, Alberto Mondlane, e outra cópia à Direcção Nacional da PIC. No documento vinha com conhecimento da Presidência da República para amedrontar os receptores. Disse-lhe que se em 48 horas Dias Balate não for desmontado que levasse o documento à imprensa e ai acusaria o próprio ministro do Interior de estar mancomunado com os criminosos.
Desliguei o telefone e fui metê-lo na pia. Eram quase 3 de madrugada. Dormi. Às 6 horas da manhã vieram 16 polícias na minha cela. Eram da D.E.I (Departamento de Investigação e Informação). Descobriram que coloquei sabão nas câmaras e nos sensores. Como castigo, fiquei cinco dias sem receber comida de casa. Nesses dias, confesso, comi xima e feijão.
No terceiro dia após termos exarado o documento, oiço o meu irmão Ayob (que também estava nas celas do Comando), ao de longe, a chamar o meu nome: “Nini… Nini… Nini… Dias Balate foi exonerado” . Nessa altura já íamos a caminho de 50 raptos.
No seu lugar veio Januário Cumbana, um homem sério e competente. Colaborámos juntos e colocámos cerca de 55 raptores atrás das grades. Depois deste veio Eugénio Balane. Continuamos com a mesma colaboração. Neste momento, creio eu, estão quase 75 raptores presos entre condenados e detidos. 34 foram mortos em confrontos com a Polícia.
Em suma, para parar os raptos no país é preciso que os familiares das vítimas colaborem com a Polícia. Sem esta estreita colaboração, é impossível acabar com os raptos. Creio que existem oficiais da polícia envolvidos nos raptos, mas também existem polícias honestos.
Hoje, Dias Balate é um homem sem trabalho e apenas chuta latas na rua. Muitos dos seus amigos andaram a escrever na imprensa que ele tinha um emprego em Zimbabwe. Era tudo mentira. Ele não passa de um vira-latas.
Brevemente trarei mais novidades, e com documentos comprovativos, dos raptos.
Nini Satar 20/10/2015