No dia 01 de Março de 2017, procedeu-se a abertura do Ano Judicial no Centro Internacional de Conferência Joaquim Chissano.
Participaram deste evento, membros do corpo diplomático acreditados em Moçambique, membros do Governo, juízes de alta magistratura, deputados, empresários entre outros.
Constitui praxe que, todos os anos, o bastonário da ordem dos advogados, o presidente do Tribunal Supremo e Procuradora Geral da República se dirijam à nação através dos seus discursos actualizando ao povo sobre o estado da justiça.
Do discurso do bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique não tenho muito a comentar, quando muito apenas elogiar porque reflecte a realidade do que se vive em Moçambique.
Quanto ao discurso do juiz-presidente do Tribunal Supremo, não tenho muito a opinar apenas verifiquei a sua reclamação, porque os valores das cauções são deveras exorbitantes. Não concebo se ele estava a queixar ou a informar que os juízes fixam valores exorbitantes, ao estabelecerem valores de caução para garantirem a liberdade provisória, porque ele é, também, presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial, que é o órgão que disciplina os juízes no âmbito da sua actuação.
Mas também quanto a este aspecto, não existe muito que se fazer porque os juízes são independentes, isto quer dizer que devem obediência a lei, mas também à sua consciência e não devem sofrer influências no âmbito das decisões que tomam.
Entenda-se que não devem sofrer nem influências da hierarquia ou qualquer outra influência externa ou de quem quer que seja.
O papel dos juízes conselheiros do Tribunal Supremo é apenas de apreciar matérias de direito e não de facto, matérias estas que lhes são submetidas no âmbito de um recurso.
Os juízes do Tribunal Superior de Recurso apreciam recursos em matéria de facto e direito que lhes são submetidos no âmbito do recurso de decisões tomadas por tribunais de província.
No que tange ao discurso da Procuradora- Geral da República, importa, antes de mais, trazer alguns excertos do discurso para uma análise mais cuidada.
A PGR recordou a Polícia da República de Moçambique e a alguns meios de comunicação social que a apresentação pública de indivíduos indiciados da prática de infracção é “uma violação de um direito humano fundamental, alicerçado no Princípio da Presunção de Inocência”. A PGR revelou que em 2016 “o número total da população internada nos estabelecimentos penitenciários atingiu o topo dos últimos 3 anos”.
De acordo com Beatriz Buchili esta superlotação contribui para “situações de tratamento desumano de indivíduos suspeitos de prática de infracções, seja nas celas das esquadras e comandos distritais, acontecendo o mesmo nos estabelecimentos penitenciários e, por vezes, nas Procuradorias e Tribunais”.
A solução, disse a Magistrada, passa não só pela construção de novos estabelecimentos penitenciários mas “pode ser minimizada com o incremento da celeridade processual, a eliminação das detenções ilegais e a aplicação das medidas e penas alternativas à prisão”.
Beatriz Buchili terminou voltando a apelar, tal como no acto solene de 2016, ao envolvimento e cometimento de todos no “esclarecimento dos crimes e podemos levar os infractores ao julgamento e, por conseguinte, combatermos à criminalidade organizada”.
1º A PGR falou de violação do de um direito humano fundamental alicerçado ao princípio da presunção de inocência ao se publicar as imagens de indivíduos indiciados da prática de crime – mas a questão que se coloca é, que medidas é que a Procuradoria já tomou para corrigir este cenário, porque definitivamente isto põe em causa o bom nome dessas pessoas, que por vezes até são ilibadas, mas já com o seu nome na lama, pelo que foi veiculado anteriormente pelos órgãos de comunicação social e pela Polícia, sendo que estes não aparecem posteriormente para rectificar o mal que fizeram às pessoas.
2º Falou que em 2016 o número total da população penitenciária atingiu o topo dos últimos três anos – Importa antes esclarecer a opinião pública que as nossas cadeias foram feitas para suportar 8000 prisioneiros, mas actualmente temos 18000 pessoas presas. Isto é desumano, um atropelo grave aos direitos humanos. Pensei que com a aprovação do actual Código Penal que vem estabelecer penas alternativas os cenários iriam mudar, que o número de pessoas presas iria reduzir, mas pelo contrário recrudesceu.
3º Como soluções para mitigar a super-povoação nas cadeias, a mais alta magistrada do Ministério Público sugeriu a construção de novos estabelecimentos penitenciários, aplicação de penas alternativas e falou do incremento da celeridade processual – esta última medida tocou-me na medida em que quem promove o processo-crime são os procuradores que podem ser coadjuvados por agentes da PIC, mas a responsabilidade de promoção do processo pertence aos procuradores. Importa antes de divagarmos sobre este aspecto frisar que diferentemente do Juiz que é independente no âmbito da sua tomada de decisões, deve obediência também a sua consciência, o procurador no âmbito da instrução do processo deve estrita obediência a legalidade, sendo que este sempre é obrigado a acatar ordens superiores.
Os Procuradores sempre consultam aos seus superiores hierárquicos para estes os instruir sobre como devem acusar. Nos últimos 15 anos, 99% dos processos que param na Procuradoria, sempre existe acusação havendo ou não matéria de culpabilidade por parte do réu. Nos últimos 15 anos o único processo que me recordo que houve abstenção da parte do Ministério Público foi o caso Siba Siba, onde houve indiciação de Octávio Muthemba, Álvaro Massingue, Nyimpine Chissano e outros.
Indo ao cerne da questão que nos interessa, celeridade processual, importa frisar que quanto a este aspecto a Procuradoria ainda está viver no passado, existem muitos processos com pessoas detidas tendo-se[JG1] extrapolado todos os prazos de instrução preparatória. Isto deve-se ao facto de os procuradores quererem acusar a todo o custo, mesmo sem existência de provas, o MP está preocupado em apresentar resultados ao seu superior hierárquico, não interessa a que custo, nem que para tal tenham de passar por cima das pessoas que nem um Bulldozer, sendo que os prazos só se cumprem quando se trata de casos de famílias influentes, nestes casos o MP é forçado a cumprir com os prazos.
Eu falo desta questão com propriedade porque sou um exemplo claro dessas injustiças, fiquei 13 anos e meio na cadeia por um crime que eu não cometi, mas porque havia conveniência política fui acusado em 23 dias, sendo que este foi um autêntico recorde. O meu caso foi por muitos conhecidos. Mas a questão que se deve colocar é, devido a morosidade processual do MP, quantos Ninis desconhecidos temos na cadeia injustamente, quantas pessoas estão na cadeia por ter roubado galinha, ou por ter cometido pequenos delitos e o MP acusou, outros até depois de terminar a instrução preparatória já cumpriram a pena a que deviam estar sujeitos ?
Não sou jurista, mas durante o período que despendi na cadeia, deu para estudar e conhecer o sistema judicial, e posso afirmar categoricamente que a Procuradoria tem estado a funcionar de forma desgovernada, não exerce o seu papel de defensor da legalidade, preocupa-se mais com pilha-galinhas, quando se devia preocupar com os crimes perpetrados por peixes graúdos.
Quantos assassinatos a figuras de destaque aconteceram em 2015 e 2016? Quantos foram resolvidos?
Há dias atrás em conversa com um amigo, ele disse que no distrito de Inhamssunge, na província da Zambézia, alguns funcionários da Direcção Distrital da Educação foram presos, alegadamente por um desvio de uma quantia inferior a 100 mil meticais.
A questão que coloco é, as pessoas que desfalcaram o país e o deixaram de rastos, hipotecaram o futuro das gerações vindouras onde estão, o que lhes aconteceu?
Digníssima PGR: como vamos eliminar a detenção ilegal se a mesma é fomentada pela vossa classe, quando extravasam os limites no âmbito da promoção da acção penal?
Acho que as ideias avançadas pela PGR na abertura do Ano Judicial para mitigar os problemas gravosos do judiciário são boas, mas para se atingir a eficácia é preciso primeiro trabalhar internamente, para fazer face a implementação das medidas propostas é preciso libertar os procuradores deixar que estes trabalhem sem influências.
Venho apenas lembrar que o papel do procurador não é só de acusar, quando muito, o seu papel primordial é de defender a legalidade.
4º Habeas Corpus – Parece que o actual presidente do Tribunal Supremo e os novos juízes conselheiros são pessoas que não pactuam com ilegalidades.
Tenho informação vinda de vários juristas que semanal ou mensalmente entram vários pedidos de habeas corpus e o Tribunal Supremo tem reposto a legalidade, soltando os que estão ilegalmente presos nas cadeias, e esta posição, não agrada nada a cúpula da Procuradoria, sendo que é por este motivo que os processos são arrancados da PIC e são acusados de uma forma precipitada e a consequência disso é que quando o processo chega ao Tribunal o juiz não tem como começar, porque a acusação está prenhe de erros e contradições.
O MP tem tratado assuntos processuais de forma monstruosa, que até sugere que tem interesses particulares. O MP acusa e quando o processo vai para o julgamento, o juiz iliba. O MP volta a recorrer da decisão do juiz, mesmo sabendo que o Tribunal do Recurso pode vir a dar razão ao juiz. A prova concreta foi o julgamento do badalado “Caso Catel-Branco”- o MP acusou. O juiz ilibou. O MP recorreu da decisão do juiz mesmo sem ferramentas adicionais.
Nini Satar