As eleições gerais de 9 de outubro em Moçambique têm sido antecipadas por um clima de incerteza e tensão, com denúncias de irregularidades e receios de violência pós-eleitoral.
Em declarações exclusivas, André Mulungo, representante do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), e Vítor Fazenda, da Sala da Paz, apontaram para sinais preocupantes de fraudes eleitorais e interferência nas campanhas, além de fazerem apelos para uma actuação mais transparente e responsável da polícia durante o processo eleitoral.
Preocupações com a preparação de fraude eleitoral
André Mulungo, do CDD, expressou preocupações sobre a preparação de um cenário de fraude, citando episódios de recolha de cartões de eleitores e números de identificação, e uma suposta “pré-votação” que tem gerado inquietação entre os observadores e membros da sociedade civil. “Tivemos um processo eleitoral que, do nosso ponto de vista, foi excludente, antidemocrático e marginalizador”, afirmou Mulungo, lembrando que, em anos anteriores, houve casos como o assassinato do activista Anastácio Matavele em 2019, considerado um dos momentos mais sombrios das eleições.
Este, criticou duramente as ações da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e do Conselho Constitucional, especialmente pela exclusão da CAD (Coligação Aliança Democrática) do processo eleitoral. Segundo Mulungo, essa exclusão, associada às manobras de recolha de cartões e tentativas de controlo dos eleitores, reflecte um cenário em que “não há justiça eleitoral”, gerando uma sensação de insatisfação e descrédito nos resultados finais.
“Se o povo sentir que não houve justiça, prevê-se um cenário de contestação e exigência para que a justiça seja feita”, alertou o representante do CDD. Para ele, as medidas de recolha de cartões do partido FRELIMO e relatos de urnas recebendo boletins de voto de forma antecipada são evidências claras de que há uma tentativa de manipulação do resultado. “Estão a recolher os cartões para fazer o quê? Estão a pré-votar por quê? Afinal, não são as pessoas que no dia 9 de outubro vão decidir a eleição?”, questionou Mulungo, sugerindo a preparação de uma fraude já em andamento.
Papel da polícia no processo eleitoral
Por outro lado, Vítor Fazenda, da Sala da Paz, enfatizou a necessidade de a polícia actuar de forma imparcial, respeitando a legalidade e garantindo a segurança e integridade do processo eleitoral. “A polícia tem de assegurar que tenhamos eleições justas, livres e transparentes. É importante que as forças de segurança observem os princípios estabelecidos na legislação eleitoral, como a imparcialidade, transparência e responsabilidade”, afirmou.
Fazenda também destacou a importância do papel das lideranças políticas na promoção de um ambiente pacífico e de tolerância durante o período eleitoral. Este, observou que, embora tenha havido redução de casos de violência e intimidação política em relação às eleições anteriores, ainda há sinais de intolerância que não foram sanados. “Recomendamos às lideranças dos partidos a apelarem por uma convivência pacífica entre os membros e participantes políticos”, sugeriu.
Intolerância e acções de intimidação
Embora tenha havido redução nos casos de violência em comparação com o pleito de 2019, Mulungo e Fazenda destacam que a intolerância política continua a ser um problema presente, especialmente em algumas regiões do país. Fazenda sublinhou a necessidade de se garantir que os observadores tenham acesso irrestrito aos locais de votação e à contagem de votos, defendendo um processo mais inclusivo e que respeite a transparência.
Além disso, o representante da Sala da Paz manifestou preocupações quanto à disponibilidade de recursos nos centros de votação. “Temos expectativas de que tanto a internet como a eletricidade funcionem devidamente. Os próprios órgãos eleitorais devem adquirir materiais de iluminação para garantir que, onde não há energia, o processo não seja comprometido”, afirmou, referindo-se aos frequentes cortes de energia em regiões remotas e até mesmo dentro das cidades.
Crescimento democrático em meio à crise
Mulungo, apesar das críticas, reconheceu que houve um crescimento democrático em relação às campanhas anteriores. “Notamos com alguma satisfação que houve uma ligeira redução de casos de intolerância política, de violência contra ativistas, defensores de direitos humanos e jornalistas”, apontou. Afirmou que, mesmo em meio a uma crise democrática, é possível identificar sinais positivos de que a democracia moçambicana está a crescer.
Dia 9 de Outubro
Os dois concordam que o futuro das eleições dependerá da capacidade dos órgãos eleitorais e das forças de segurança em garantir um processo transparente e justo. Com a aproximação do dia 9 de outubro, a atenção está voltada para possíveis reações da população caso se confirmem as suspeitas de manipulação eleitoral. O papel das lideranças políticas e da polícia será crucial para assegurar que o processo ocorra sem maiores transtornos, evitando assim uma nova onda de violência e contestação pós-eleitoral.
No entanto, com os relatos de recolha de cartões, tentativas de intimidação e falta de recursos adequados nos centros de votação, permanece a dúvida sobre a capacidade do sistema eleitoral de corresponder às expectativas de uma sociedade que, segundo os observadores, já demonstra sinais de cansaço e descontentamento. (Bendito Nascimento e Ekibal Seda)