O segundo mês do Estado de Emergência (EE) em Moçambique, dos três previstos na Constituição da República, termina esta semana e quase tudo continua na mesma. Os focos de violação das medidas restritivas permanecem e os números de contaminações, esses, estão a aumentar a cada dia que passa. Qual será o passo a seguir?
Quanto a mim, há três hipóteses que se colocam para o país: o prolongamento o actual estado de emergência por mais 15 ou 30 dias, decretar o relaxamento de medidas para dar lugar à retoma de alguns sectores da economia nacional ou avançar para o confinamento total, tendo como base a evolução da situação epidemiológico no país.
Quais são os prós e os contras de cada uma destas saídas, sobretudo do ponto de vista do seu impacto na vida sócio-económico de Moçambique?
Primeira opção: Depois de dois meses a observarmos EE do nível III que obrigou ao encerramento de barracas, bares, botequins, discotecas e outros, Filipe Nyusi pode achar por bem relaxar as medidas e permitir que alguns sectores da economia nacional retomem as suas actividades.
Influenciaria a decisão o facto de o regresso de centenas de trabalhadores aos seus postos de emprego poder melhorar a renda das famílias e, por conseguinte, o poder de compra do cidadão que sofreu, nos últimos dias, um grande desgaste resultante da subida galopante dos preços de produtos de primeira necessidade e não só, em nome do covid-19.
A decisão pode ser prontamente aplaudida pela maioria da população que deseja regressar às suas vidas. Retomar os seus negócios formais e informais sem a polícia à porta. Viajarem, etc. Mas a medida pode não colher o consenso no seio dos profissionais da saúde dado ao risco de poder agravar o já deficiente processo de prevenção de covid-19.
Tudo que foi feito até agora em termos de suster a onda de propagação de coronavírus pode ser dado como perdido. Dificilmente conseguir-se-ia mobilizar o público para continuar a precaver-se da doença.
Segunda opção: Avaliando a situação, o Presidente da República pode decidir pela manutenção do actual nível do Estado de Emergência, mas agravando as medidas restritivas e reforçado o nível de exigência da polícia para a observância das medidas de prevenção em vigor.
A base para a tomada desta decisão seria a prevalência de fragilidades ou falta de rigor no cumprimento do decreto presidencial relativo ao estado de emergência em Moçambique. Apesar de obrigatório, milhares de moçambicanos continuam a circular ou a frequentar lugares públicos sem a máscara, o que, no mínimo, é grave.
Alguns usam-na para agradarem à polícia municipal nos mercados, no lugar de o fazerem para o seu próprio benefício. Outros esforçam-se em colocá-la para sairem bem nas câmaras de televisão. O outro grupo é daqueles que usam mal as máscaras e acabam por não produzir os efeitos desejados.
Os mercados municipais e informais, o sector dos transportes, em particular os “my love” e de carga (os camionistas provenientes da África do Sul, Malawi e Zimbabwe) continuam a ser os principais focos de possíveis contaminações com o coronavírus.
Os agentes da polícia a quem cabe a responsabilidade de fazer cumprir as medidas restritivas, estão mais preocupados em fiscalizar barracas, cujos donos violam o decreto presidencial. Os que não usam as máscaras não são questionados, apesar de se tratar, igualmente, de uma violação.
Caso o PR opte pela manutenção do estado de emergência do nível três, estará dentro dos limites legais. A Constituição da República prevê que em caso de prevalência da situação que obrigou ao estado de emergência, este possa ser estendida até ao máximo de três meses. E o país está no segundo.
Desta vez, a polícia teria de tomar medidas operativas de carácter impopular, como agir com maior agressividade, para levar os moçambicanos ao cumprimento cabal do decreto presidencial. Não basta prender os prevaricadores. É preciso que os mesmos sejam responsabilizados pelos seus actos para desencorajar aos outros.
Terceira opção: Olhando para o actual estado epidemiológico do país, o PR pode levar decretar o estado de emergência do nível IV, o “lockdown”. A justificação para esta medida seria a evolução dos níveis de infecções marcando a transição da fase de contaminações esporádicas para focos de contaminações.
Além de números assustadores de infecções que o passou a registar, há o caso de novos focos de infecções, a exemplo de Nampula, com o primeiro caso de morte vítima de covid-19, Zambézia, Sofala, Manica, Tete, Inhambane e Gaza.
O confinamento obrigatório significa que toda a gente tem que ficar em casa, quer queira, quer não. É uma fase bastante difícil em que tudo fica fechado, com a excepção dos sectores cuja actividade não pode ser interrompida para o interesse público. Casos de hospitais públicos e privados, farmácias, supermercados, transportes, bombeiros e outros.
No quadro de lockdown, ninguém deve sair nem do quintal sob risco de ser detido pela polícia. No Lesotho, o ministro do Interior local foi preso por sair de casa. Na África do Sul, Cyril Ramaphosa suspendeu uma ministra do seu governo por participar num almoço em casa do seu namorado e ficou dois meses sem salário. É assim como as coisas funcionam neste nível e nos países mais sérios em que não há contemplações.
Normalmente, o nível IV é accionado quando o país está na fase de contaminações comunitárias. Nessa altura, já não é possível estabelecer linhas de contacto. O país ainda não chegou a esse ponto, mas está a um passo e o PR pode querer antecipar-se da situação e evitar que as coisas se compliquem entre nós.
A restrição dos movimentos das pessoas prevista no nível IV é sempre uma vantagem para as autoridades de saúde porque evita o contacto entre elas e ajuda a sustentar a onda de infecções.
Se o Presidente da República optar pelo bloqueio total, o seu governo terá de garantir a assistência alimentar às famílias mais pobres para que ninguém morra a fome. É que a maior parte dos moçambicanos trabalha no sector informal e depende do que produz hoje para preparar a sua refeição. O dia seguinte é sempre uma incógnita.
Alguns países africanos como África do Sul, Ruanda e outros estão a distribuir alimentos a este grupo vulnerável, aliviando-o do impacto negativo de covid-19. Marrocos, com sete mil infectados e 197 mortos, aprovou uma verba de três mil milhões de euros para este pacote.
O valor pode cobrir na totalidade e sobrar as dívidas ocultas moçambicanas.
Será que Moçambique está em condições de avançar para o confinamento obrigatório à semelhança do que acontece com os outros africanos com altos índices de contaminações com o coronavírus? Acho que não. Com um orçamento geral de estado deficitário por conta da retirada do apoio por parte dos doadores internacionais depois que descobriram dívidas não declaradas no valor de 2,2 mil milhões de dólares americanos, Moçambique não está preparado para este enorme desafio.
O coronavírus complicou cada vez mais a situação económica do país. Parte significativa das empresas fechou as portas. Outra, funciona a meio-gás. As receitas do estado baixaram. O défice orçamental agravou-se pois poucas são as empresas que continuam a pagar o imposto. O turismo, uma das fontes de captação de divisas, está totalmente paralisado.
O governo teve que recorrer a um empréstimo junto do Fundo Monetário Internacional no valor de 309 milhões de dólares no âmbito da Facilidade Rápida de Crédito, sendo que parte do dinheiro será usado para fechar o buraco.
A minha visão em relação ao confinamento obrigatório pode não ser o mesmo do Presidente da República a quem cabe decidir, em última estância, sobre o caminho a seguir daqui para a frente.
O País