O SERVIDOR PÚBLICO, O PROFISSIONALISMO E O “PROPORCIONALISMO”.

POR GILBERTO CORREIA

O SERVIDOR PÚBLICO, O PROFISSIONALISMO E O “PROPORCIONALISMO”.

Parece não haver dúvidas que as ofertas “generosas” e publicas feitas por várias empresas comercialmente dinâmicas ao destacado membro da Polícia de Trânsito que trabalhou na rua durante o temporal de ontem em Maputo não devem ser por este recebidas, precisamente porque tal acto violaria a Lei da Probidade Pública que qualifica as ofertas e gratificações a um servidor público, por fazer o seu trabalho, como uma categoria do ilícito de conflito de interesses.

Estão de parabéns os departamentos de marketing e publicidade dessas empresas ao pretenderem associar um evento viral nas redes sociais às respectivas marcas. Andaram mal os departamentos jurídicos das mesmas empresas por não as alertarem da possibilidade de ilícito, antes dos animados anúncios em massa serem tornados públicos.

Mas, o que me espanta não é a perspectiva jurídica e nem campanha comercial em redor deste evento viral, atentas a características desta nossa sociedade global em que a selfie, a imagem em directo ou quase em direito e o ecrã ou a tela adquiriram, para o bem e para o mal, características de valores supremos.

O que me surpreende é a dimensão da reacção colectiva de admiração e de perplexidade por um agente da Polícia de Trânsito trabalhar à chuva e ao vento, ainda que tais condições atmosféricas possam ser qualificadas como temporal. No fundo, por um profissional – neste caso servidor público – agir com profissionalismo e não abandonar o seu posto de trabalho.

Será que estamos tão habituados a ser mal servidos, à falta de profissionalismo e de dedicação, ao desleixo e à incúria, que quando vemos um servidor público a trabalhar em condições algo adversas explodimos de alegria e de gratidão?

Porque é que uma manifestação de profissionalismo por parte de um servidor público deve ser motivo de tamanha gratidão e veneração? Afinal, não é o que se espera deles, dedicação e sacrifício pela causa pública? Se é o que se deve esperar, sobretudo de quem é membro das forças de defesa e de segurança, porque é que nos surpreendemos com quem assim age e não nos indignamos, como devíamos, com quem age de modo oposto?

Meu amigos, sabem que aqui na cidade onde vivo os ladrões escolhem os dias de temporal para realizar os assaltos? Que nesses dias, as pessoas que tem condições precárias de segurança não dormem com receio de serem assaltadas?

Sabiam, exemplificativamente, que durante a noite do dia 14 e a madrugada do dia 15 do Março deste ano houve dezenas funcionários públicos que em plena devastação de um ciclone do Nível IV estiveram a cuidar dos doentes e a tentar transportá-los para lugar seguro à medida que os telhados dos vários pavilhões do Hospital Central da Beira ia sendo arrancados um a um?

Lembram-se que com ventos ciclónicos que atingiram 230 quilómetros por hora, com chuvas fortíssimas e sujeitos a serem trespassados por um qualquer “objecto voador”, 40 bravos profissionais sem qualquer protecção e sem saberem sequer se os seus familiares próximos estavam vivos; ficaram a trabalhar toda a noite e madrugada para impedir que 26 mil crocodilos escapassem de uma quinta próxima da cidade da Beira, protegendo assim as populações e os activos da própria empresa. Lembram-se que um deles era o senhor João, que depois dessa actuação profissional verdadeiramente heróica foi para sua casa e descobriu que o maldito ciclone tinha morto os seus 4 filhos?

Poderia ficar o dia todo a relatar actos verdadeiramente heroicos de profissionais que em circunstâncias verdadeiramente extremas optaram por continuar a fazer o seu trabalho, por acharem que ainda assim era exigível que agissem como bons profissionais e colocaram os valores profissionais acima das dificuldades.

Agende da PRM, Policia de Transito em serviço em plena chuva

É escusado dizer que estoutros não mereceram a atenção do marketing e da publicidade que o nosso zeloso e mediático agente da polícia de trânsito teve. Seria redundante alongar-me na demonstração da hipocrisia que é ser profissional, mas não estar na hora certa, na foto certa e na tela certa.

Enfim, do que eu queria mesmo falar era da necessidade de sermos mais exigentes connosco, com os nossos servidores públicos, com as nossas autoridades, com a nossa sociedade.

Vamos aumentar o nosso nível de exigência. O profissionalismo deve ser a regra e não a excepção. Mais do que aplaudir o profissionalismo, devemos rejeitar e criticar a falta dele.

Se continuarmos a comemorar actos de quem apenas está a fazer bem o seu trabalho, de quem age com profissionalismo, como se fossem conquistas extraordinárias, continuaremos a caminhar lado a lado com a mediocridade e a conviver com o baixo desempenho profissional. Depois, não admiremos e nem nos queixemos dos fracos resultados colectivos que obtemos ou mesmo da falta de resultados.

Precisamos de ser colectivamente mais exigentes para crescer. Aqueles que viajam muito sabem que os cidadãos dos países mais desenvolvidos são muito exigentes. Há, seguramente, uma relação próxima entre o aumento da exigência e o crescimento e o desenvolvimento individual e colectivo.

Precisamos de ser mais ambiciosos, de querer mais e para isso devemos exigir mais e melhor.

Vamos subir um pouco mais a fasquia!

A capacidade de elogiar o desempenho do próximo, a gratidão e o reconhecimento são seguramente características nobres do ser humano. Mas, façamo-lo com proporcionalidade, sem exageros e, sobretudo, com cabeça fria para separar o trigo do joio e assim identificar a ilusão que pode estar na próxima imagem que recebermos na tela do nosso smartphone.

Como alguém disse em algum lugar, “ai dos que se contentam com pouco”.

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