O jurista moçambicano, Elísio de Sousa deu aulas de sapiência a Procuradoria-Geral da República de Moçambique através das redes sociais. 

Jurista moçambicano Elísio de Sousa da aulas de sapiência a Procuradoria-Geral da República

O jurista moçambicano, Elísio de Sousa deu aulas de sapiência a Procuradoria-Geral da República de Moçambique através das redes sociais.

O jurista veio mostrar a sua competência e acabar com um problema que gerou muita polémica no seio dos moçambicanos, “vidros fumados nos carros“.

Elísio de Sousa veio elucidar a zona de penumbra que abundava a mente dos cidadãos moçambicanos e até mesmo  das autoridades.

Leia abaixo o post de Elísio de Sousa:

“GAFES” DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA 
(Conselho Técnico da PGR)

Ainda sobre os vidros “fumados”

Começo por agradecer à PGR (por duas vezes), pelo facto de a mesma nos ter brindado, em menos de 2 meses com dois Pareceres manifestamente contraditórios (um da Procuradoria da Cidade de Maputo e outro do Conselho Técnico). E ainda assim, não se ficando por isso, o último Parecer do Conselho Técnico da PGR é, em si, uma contradição, onde, em poucas palavras se pode dizer que “piscou para a esquerda e virou à direita”.

Vamos concentrar a nossa análise neste último.
À saber: Um Parecer Técnico do Conselho Técnico da PGR não vincula o cidadãos ou à qualquer instituição do Estado. Contudo o mesmo, se apresenta como mais uma fonte interpretativa das normas jurídicas pelo qual são dignas de consulta. É nesta senda que apresentamos a nossa crítica.
Depois de consultarmos o famigerado Parecer ficamos com a forte impressão que o Conselho Técnico da PGR, entrou em flagrante contradição, quando, o mesmo Conselho, defende teses diametralmente opostas e remata com uma conclusão que não se mostra coerente com a própria fundamentação. Até parece terem sido Conselhos diferentes a trabalhar no mesmo documento.

Num parecer de 11 páginas (cujas 2 últimas páginas são apenas dedicadas a assinaturas dos subscritores, o que faz, na verdade, serem 9 páginas de conteúdo), este Conselho dedicou 3 preciosas páginas discutindo o que é óbvio e consensual em todas vertentes (a vigência do Regulamento do CE de 1959). Enfim…

Indo directamente ao tema em discussão são consensuais os aspectos seguintes:

1. A Portaria nº 13.469, de 06 de Novembro de 1959 (Regulamento do CE) está, de facto, em vigor em Moçambique;

2. A mesma Portaria, determina que a tonalidade dos vidros não faz parte das característica dos vidros (n.º 1, do art.º 18 do Regulamento e Dec. n.º 44/2017, de 16 de Agosto e ainda o ponto 31, do Parecer em crise);

3. Existem 2 tipos de vidros nos automóveis (vidro para-brisa ou “vidro de frente” e vidro do tipo janela ou “vidro dos lados do condutor e/ou passageiros”) que têm diferente tratamento no Regulamento (n.º 1, do art.º 35 e n.º 6, do art.º 38, ambos do Regulamento).

4. O vidro para-brisa deve ser totalmente transparente (n.º 1, do art.º 35, do Regulamento).

5. A Polícia de Trânsito tem poder de fiscalização do cumprimento das normas do CE e o respectivo Regulamento.

Sobre a “gafe” do Conselho Técnico da PGR:

Depois de muito brilhar no preâmbulo do Relatório, o mesmo Conselho Técnico assume nos respectivos pontos 32 e 33, que o vidro que se emprega nas janelas e portas dos veículos e igualmente as próprias janelas e próprias estão excluídos das características dos veículos, e diz ainda mais, que NEM SÃO CONSIDERADOS acessórios dos automóveis.

Por outras palavras, conclui do Conselho Técnico da PGR:
As janelas dos automóveis não são consideradas CARACTERÍSTICAS ou ACESSÓRIOS dos automóveis à luz do respectivo Regulamento;

O mesmo Conselho remata com a seguinte conclusão: “…portanto, a colocação de películas escurecedoras, não constitui alteração que possa ser classificada como transformação do veiculo, nos termos do art.º 118 CE”. (vide ponto 34, do Relatório em crise).

Paradoxalmente o mesmo Conselho Técnico, oblitera a letra da lei, afirmando (no ponto 36) que o Regulamento, determina que a Janela (e não o vidro para-brisa) seja transparente. Essa conclusão (errada no nosso ponto de vista), foi determinada pela desvalorização (dolosa ou negligente) da palavra “COMO” que consta da letra do n.º 6, do art.º 38, do Regulamento do CE.

A letra da lei dita o seguinte: “Nas janela e nas portas dos veículos automóveis só pode empregar-se, COMO material transparente, vidro inquebrável ou material plástico que não seja inflamável a uma temperatura inferior à 300ºC”. (cf. art. 38/6, do Reg.)

Realçámos a palavra “COMO” que consta da letra do Regulamento, para que se perceba o seu sentido e alcance. Ela vem ditar que, se fulano A pretende colocar material transparente nas janelas, o mesmo deve ser de vidro transparente ou plástico “especial”. Isto porque não é e nem deve ser obrigatório a colocação de vidros. O fulano A, poderá sempre optar na colocação de material que não seja transparente e nesse caso, não deverá ser necessariamente de vidro ou plástico.
Um exemplo: Viaturas que servem propósitos de transporte de carga que, mesmo tendo sido concebidos, na sua maioria, para o transporte de pessoas, pode o mesmo veículo ser adaptado para o transporte de carga, tanto pelo fabricante ou pelo proprietário, nem necessidade de se interpretar a mesma opção como alteração de veículo. Onde no lugar das janelas de vidro se mantém a chaparia da mesma viatura. Veja-se algumas carrinhas Toyota Hiace, que não tem janelas de vidro, onde no lugar deste apenas se vislumbra uma marca de janela preenchida com a mesma chaparia que constitui a viatura. Seria de tal modo ridículo ou contraproducente, proibir ou limitar o escurecimento dos vidros, e por sua vez, admitir que as janelas simplesmente não existam, como no exemplo acima.

A PGR ignorou a palavrinha mágica (a palavra COMO, do n.º 6, do art.º 38 do Regulamento do CE, aprovado pela Portaria n.º 13.469, de 06 de Novembro) e trilhou por conclusões erradas. A prova disso é a evidente contradição entre os pontos 34, 36 e 39, onde ao mesmo tempo o Conselho Técnico da PGR conclui que a alteração da tonalidade das janelas dos veículos não constitui qualquer alteração às características ou, sequer, acessórios, mas nos pontos seguintes o mesmo Conselho Técnico, ignora as suas próprias constatações e conclui, logo a seguir que se trata de violação de regulamento, e, por conseguinte, orienta (no ponto 39) a Polícia de Trânsito a passar multa aos condutores por violação das normas regulamentares. QUE PARADOXO!!

Concluindo, o Regulamento do Código da Estrada (de 1959, que ainda vigora) apenas regula as situações em que o fabricante ou condutor pretenda colocar vidros transparentes nas janelas (art.º 38/6).

Nos demais casos em que as pessoas prefiram “fumar” (opacar ou mesmo, simplesmente, substituir o vidro por qualquer outro material), não há qualquer limitação ou regulamentação.

“Concessum dicitur quidquid expresse prohibitum non est” o que em outras palavras significa que tudo aquilo que não é proibido é permitido. Assim, qualquer multa passada por se ter escurecido os vidros continua sendo ilegal e, por consequência, oponível perante as autoridades administrativas e judiciais.

Não sei se o Conselho Técnico da PGR pretende abrir uma nova frente para a colecta de mais receitas para o Estado, multando os pacatos automobilistas, como forma de aliviar o sufoco orçamental em que o país se encontra. A ser assim, a intenção é boa e louvável, contudo com sabor à maquiavelismo, por se ignorar os meios para se atingir os fins. Não penso assim e nem quero pensar que se pensou assim.

PS: O que mais me espanta no referido Relatório do Conselho Técnico da PGR, é que das 9 personalidades signatárias do mesmo, não vejo nenhuma declaração de voto vencido, numa matéria tão peculiar como esta. Enfim …

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