“Exmo. senhor presidente da Renamo, Afonso Dhlkama. Escrevo-lhe, mais uma vez, à hora de muito pesar. A última vez que lhe escrevi foi em Maio do ano passado. Feitas as contas, passa mais de um ano sem que lhe escreva. E o propósito ainda continua o mesmo: PAZ.
O senhor presidente respondeu à minha última carta. Utilizou esta mesma plataforma, o Facebook, para mostrar que havia lido a minha carta. O que me preocupa agora, volvido um ano, é se o líder da Renamo entendeu o conteúdo da minha anterior missiva. Não lhe pedi mais nada que não seja devolver a paz aos moçambicanos. É pedir muito?
Em jeito de resposta à minha carta, o senhor disse o seguinte – e passo a citar ipsis verbis-:
“Meu povo, depois de um grande período de ausência nas redes sociais, estou de volta. Neste meu regresso encontro números impressionantes. Milhares de pessoas estão me seguindo no twitter, uma rede social sem muita expressão em Moçambique (@dlhakama), sem falar do Facebook.
Mas não é das redes sociais que quero falar. É para responder a uma mensagem amplamente difundida no Facebook, de Nini Satar, uma figura que dispensa qualquer apresentação. Na sua carta dirigida ao meu irmão Nyusi, em que muitos dos nossos irmãos ficaram chocados pelo conteúdo das suas declarações, Nini sugere ao Nyusi que ofereça maços de dólares à minha pessoa como forma de trazer a paz para o país. Meu povo, isto é um insulto a dignidade do povo moçambicano. É um insulto à todos aqueles que ao longo dos 16 anos lutaram para trazer a liberdade e a democracia neste país. É um insulto a moral e a humildade da pessoa humana, do povo moçambicano.
A história é testemunha: nenhuma pessoa é lembrada pela quantidade do dinheiro que teve enquanto vivo, mas sim pelo contributo que deu para o progresso da humanidade. Nini Satar está enganado. O dinheiro não compra tudo, senão a solução para problemas do mundo seria imprimir milhares e milhares de notas e distribuir por aí.
Não é o dinheiro que me move, eu, Afonso Dhlakama. Se fosse dinheiro eu estaria agora no Maputo com a minha família num palácio ou a viajar pelo mundo, fumando charutos, bebendo dos melhores vinhos ao invés de andar de distritos a distritos, dos mais pobres aos mais miseráveis. Meus jovens, o povo moçambicano está sofrer. É nossa missão arregaçar as mangas e lutar pela sua dignidade. É esse o sentido da vida. Todo o ser humano precisa de dinheiro para poder ter acesso a necessidades básicas. Mas o dinheiro não pode ser um fim, mas apenas uma necessidade.
O nosso fim é o bem- estar de todo o povo moçambicano. Os nossos valores devem ser a solidariedade e não egoísmo. O dinheiro, Nini Satar pode ser bom, mas o que trás conforto a um ser humano é o sentido de compaixão.
Obrigado.”
Durante quase ano e meio que não lhe escrevi, senhor presidente, fiquei a analisar, palavra por palavra, a sua carta. Fiz bem em levar todo este tempo sem lhe escrever. Aclarei algumas ideias .
O senhor diz que não está preocupado com o dinheiro, mas, sim, com o bem-estar do povo moçambicano. Entre nós os dois, alguém está equivocado e tenho a certeza de que esse alguém não sou eu. Ou seja, eu, Nini Satar, não sei de que povo moçambicano o senhor está a falar.
Em algumas ocasiões, a Renamo, o seu partido, apareceu a reivindicar determinados ataques em que morreram civis. Esses não eram moçambicanos? Poderia lhe fazer a pergunta de uma outra forma: essa sua incessante busca do bem-estar do povo moçambicano só pode ser com Kalashnikov?
Presidente, entenda que não lhe estou a acusar de ser belicista. Só que julgo que há outros meios para se alcançar um determinado objectivo que não seja a via da guerra. A guerra atrasa o país, faz deslocados, desempregados, retrai investimentos, joga o nome do país na lama. É esse o Moçambique que o senhor quer governar?
É que do jeito como o senhor aposta na guerra sempre que quer reivindicar alguma coisa, parece que alguém lhe deu garantias secretas que só pode triunfar usando esse caminho. Porquê não insiste no diálogo? Ou por outra, nalgum momento ganhou alguma coisa por causa dessa guerra?
Eu, sinceramente, só à favor do diálogo. Chega de derramar sangue de moçambicanos inocentes. E quando digo isso é para que sirva aos dois contendores: a Frelimo e a Renamo. Para mim, não existe nenhuma razão para que os dois partidos matem moçambicanos inocentes.
O senhor presidente da Renamo tem autoridade suficiente para parar com esta guerra desnecessária. Prova que efectivamente é pai da democracia. Chama o seu irmão Nyusi ao diálogo. Convoque a comunidade internacional e diga que Dhlakama quer trégua, quer a via negocial, quer o bem-estar do seu povo por isso que depõe as armas. O senhor seria manchete em todos os jornais mundiais por boas razões.
Francamente, eu, Nini Satar, não acredito que a Frelimo possa entregar à Renamo as seis províncias onde esta reclama vitória nas eleições passadas. E parece-me ser este o argumento da Renamo para mover esta guerra. Agora lhe pergunto, presidente da Renamo: se a Frelimo não entregar as seis províncias o que vai acontecer? A guerra continuará?
Admitamos a possibilidade de lhe forem entregue as seis províncias. O que vai fazer com elas? É que não entendi o seu argumento, amplamente difundido pela comunicação social, de que as seis províncias vão ser governadas com o programa da Renamo.
Há qualquer que o líder ainda precisa de explicar aos moçambicanos. As tais seis províncias vão ser independentes do resto do país? É que o Plano Económico e Social, bem como o Plano da Acção do Governo já foram aprovados pelo Governo central, liderado pela Frelimo. Como é que a Renamo vai governar sem estes instrumentos? Onde é que a Renamo há-de ir buscar dinheiro para as seis províncias? Tem garantias de apoios? De quem? Quanto dinheiro?
E, por outro lado, não entendo como é que existindo um Presidente da República eleito (é o que todos sabemos e está em exercício), o líder da Renamo há-de conferir posse aos seus seis governadores. Quem lhe outorgou esse direito? Afinal não cabe ao Presidente da República, democraticamente eleito, conferir posse aos governadores provinciais? Como é que Dhlakama fará isso?
Portanto, é isto e tantas outras coisas que me fazem duvidar das reais intenções da Renamo. Parece que a sua pretensão é dividir o país. Aliás, já manifestou isso em diversas ocasiões. Está recordado?
Presidente da Renamo, entenda-se com o Presidente Nyusi: devolvam a paz aos moçambicanos. A culpa pelo que está acontecer ao povo moçambicano é vossa. Às vezes julgo que essas negociações em curso não vão dar em nada, porque ambos os lados não aprenderam a fazer concessões. Não aprenderam a aceitar-se como irmãos. Não aprenderam a sentar-se à mesma mesa e dividir do pouco que há. É preciso vencer esta barreira.
Ninguém negoceia ao som das armas. Se efectivamente a vossa pretensão- Renamo e Frelimo- é acabar com a guerra, deponham as armas. Cessem as hostilidades e dialoguem num clima de paz.
Até, de certa forma, posso simpatizar com a ideia da Renamo sobre a descentralização. Mas isso não pode ser feito a escopro e martelo. Tem que ser um processo muito bem estudado, sob o risco de voltarmos à guerra. O que a Renamo está a pedir agora é um paliativo. O presidente Dhlakama sabe, e muito bem, que as seis províncias não vão resolver o problema. Democracia não é o que o senhor está a exigir. Tudo passa por um processo negocial, concessões, entendimento mútuo e inclusão de todo o povo moçambicano.
Não queremos ser exigidos passaportes para visitarmos um nosso familiar na Zambézia, ou Niassa, Nampula ou qualquer província moçambicana. Moçambique é uno e indivisível.
Chega de mortes, presidente. Diariamente a Renamo reclama que os seus membros são assassinados pela Frelimo. Não sei se isso é verdade. Ou seja, não cabe a mim aferir isso. O que sei é que se não existisse essa maldita guerra as coisas seriam diferentes.
O senhor já tem idade avançada para continuar nas matas. Precisa de ver os seus filhos e netos a crescerem. O senhor presidente da Renamo precisa de escrever as suas memórias. Precisa de escrever a verdadeira história da Renamo para a posteridade. O senhor precisa dar palestras sobre democracia. Tem que provar a todo o mundo que é, efectivamente, o tal pai da democracia. E isso, sinceramente, não conseguirá nas matas.
Não arrastemos mais tempo com este diálogo a moldes actuais. Fala com o Presidente Nyusi, entendam-se e devolvam a paz aos moçambicanos. Será que o presidente Dhlakama tem ideia do sofrimento que esta guerra está a causar? Se é pai da democracia, faça-se amar pelo povo. É assim que fazem os grandes líderes.
Autor: Nini Satar